Texto: Apocalipse 21.1-6
I
O apocalipse
é um tema dramático e assustador, que já inspirou muitas histórias, livros,
filmes e seriados de TV. Não falta criatividade para falar sobre o fim do
mundo. Que o digam os diretores de Hollywood, que já abordaram o fim da nossa
civilização por meio de guerras, invasões alienígenas, catástrofes climáticas
ou algum vírus letal dizimando impiedosamente a humanidade. Que o digam também
os incontáveis autores de livros sobre o fim dos tempos. Eles vendem milhões de
exemplares. Ainda não faz tanto tempo que a história do calendário maia deixou
muita gente maluca, por prever o fim dos tempos para o dia 21 de dezembro. Mais
uma vez, uma previsão errada, que frustrou muitos.
Falar do
apocalipse dentro da igreja também sempre atraiu muitos cristãos com suas
dúvidas e perguntas a respeito desse livro repleto de mistérios. Parece que as
pessoas têm uma espécie de relação forte com esse tema. Aliás, nós somos os
únicos seres deste planeta que temos a clara noção de que, um dia, tudo vai
acabar. E também somos os únicos que fazemos um grande drama em torno disso!
Somos criativos ao extremo para imaginar bestas, anticristos, finais
catastróficos para o mundo e um grande julgamento que, finalmente, vai dar o castigo
merecido aos maus e a justa recompensa aos bons.
II
O texto
bíblico que nos serve de reflexão no dia de hoje é um trecho do Apocalipse de
João. Mas não tem nada de catastrófico. Ao contrário, transmite uma linda
mensagem de paz e de esperança, que fala de um mundo totalmente novo, livre de
todo sofrimento, onde Deus estará no comando. Mais! Neste novo mundo Deus vai
construir a sua casa bem no meio das nossas e vai morar com a gente. É uma
imagem belíssima, que nos inspira a sonhar. Isso, no meu entender, não tem nada
a ver com todo esse catastrofismo que normalmente vem de carona quando o
assunto é o apocalipse.
Por isso,
hoje eu proponho inverter um pouco as coisas. Não vamos olhar o Apocalipse a
partir de um futuro devastador e destrutivo, mas vamos olhar para ele a partir
do passado. Vamos nos perguntar pelas razões que levaram João a escrever um
livro que fala de um Deus forte e poderoso. João certamente tem muitos motivos
para escrever este livro, mas um, em particular, chama muita atenção.
Este livro
dirige-se à primeira comunidade cristã, um grupo bem pequeno de pessoas, que sofria
feroz perseguição do poderoso império romano. O imperador, chamado de César,
era adorado como um deus e ninguém sequer ousava questionar o seu poder ou as
suas decisões. Com poder absoluto, o imperador era o chefe supremo, que
escravizava e libertava, prendia e soltava, dava a vida ou decretava a morte.
As pessoas em Roma eram obrigadas a adorar César como um deus, e quem não se
sujeitasse ao culto ao imperador, era perseguido, oprimido e morto.
Para
resistir a todo esse absolutismo, o livro de Apocalipse apontava para o futuro
e dizia que não seria sempre assim. César tinha poder absoluto agora, mas Deus tem
mais poder que ele. Deus é todo-poderoso! A comunidade cristã primitiva não
tinha dúvida sobre isso. Deus tem muito mais poder do que o imperador romano. E
ele não é só todo-poderoso. O seu poder não é totalitário, implacável, injusto.
Deus é como um pai que pode tudo.
Interessante
observar que a expressão “todo-poderoso” como adjetivo de Deus aparece nove
vezes no Apocalipse, e somente outras três vezes em todo o resto do novo
testamento. Para a primeira comunidade, que esperava a volta imediata do
Senhor, não era o imperador romano que mandava nas coisas. Sabe por quê? Porque
Deus não manda só no mundo, mas na própria história! Se ele é o Senhor da
história, e pode todas as coisas, ele pode inclusive acabar com o império
romano, ele também manda no imperador!
Mais ainda,
os primeiros cristãos tinham a convicção de que isso valia especialmente nesses
tempos de perseguição em que viviam. O imperador podia mandar prender, mas Deus
era a liberdade. O imperador podia até mandar matar; Deus é mais poderoso do
que a morte! Ele havia ressuscitado Jesus Cristo.
Por mais que
o império romano fizesse de tudo para esmagar aquele grupo, mais ele se tornava
forte e resistente, porque era movido pela certeza de que Deus é todo-poderoso.
Aqueles cristãos resistiam e, nos subterrâneos do poderoso império romano,
crescia clandestinamente uma igreja de gente convicta de que o seu Senhor era
maior que César.
O
combustível para a perseverança da primeira comunidade era a vitória de Cristo
sobre a morte. Os romanos mataram o Senhor, mas Deus o ressuscitou! Deus
ressuscita! E isso o imperador não tem poder de fazer!
Então, o
livro de apocalipse, anunciando a destruição implacável do império romano e de
todos os reinos desse mundo, anuncia que Deus vai fazer tudo novo, criando um
novo céu e uma nova terra, onde ele vai construir a sua casa no meio da sua
gente; Deus vai morar conosco! Em suma, ele vai cuidar de nós e não vamos mais
ter nenhum tipo de problema, dificuldade, sofrimento, perseguição, tristeza ou
carência. Vai haver justiça absoluta e paz plena; vida em abundância e
salvação.
III
Não é um
sonho maravilhoso? Eu penso que sim. É um sonho que ajuda qualquer um a
enfrentar qualquer parada! Não há o que temer, porque o nosso Deus é maior do
que todas as coisas!
Será que
isso ainda vale em nossos dias? Será que nós também podemos abraçar o livro de
Apocalipse a partir dessa interpretação e afirmar, venha o que vier, o nosso
Deus é maior do que todos os problemas que nos venham a atingir? E se nós
podemos abraçar essa esperança como uma coisa também válida em nossos dias,
será que, então, nós também podemos sonhar? Eu penso que sim!
Por isso
mesmo, eu os convido para sonhar junto comigo! Eu posso ver um mundo sem
corrupção, sem guerras, sem fome. Eu consigo imaginar um mundo sem destruição
ambiental e sem aquecimento global. Eu vejo um mundo em que as pessoas serão
conhecidas pelo seu caráter e não pela cor da sua pele ou sua procedência.
Posso imaginar um mundo em que todos têm alimentos, casa, roupas, saúde e vida
plena. Em que as pessoas são iguais, sem qualquer distinção. Eu consigo sonhar
com um mundo sem violência, onde as pessoas não são assaltadas ou ameaçadas
para roubar, em que não há balas perdidas, estupros e assassinatos por motivos
banais. Eu posso sonhar até com um mundo onde os juízes serão aposentados e as
cadeias serão transformadas em hotéis e pousadas.
Vocês
conseguem acompanhar o meu sonho? Sabem qual é o motivo de eu acreditar nele? O
meu Deus, que arrancou Jesus Cristo das garras da morte, é mais forte do que
tudo neste mundo. Ele é todo-poderoso! Quando eu afirmo isso no primeiro artigo
do Credo Apostólico, eu realmente acredito. Por isso, a promessa de novos céus
e de nova terra continua em vigor, quando ele diz essas palavras do nosso
texto, que eu leio agora na linguagem de hoje:
“Agora a morada de Deus está entre os
seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão o povo dele. O próprio
Deus estará com eles e será o Deus deles. Ele enxugará dos olhos deles todas as
lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas
velhas já passaram. Agora faço novas todas as coisas!”
Sabe, este
texto me faz sonhar ainda mais. Ele me dá a certeza de que até mesmo as nossas
dores pessoais estão contempladas. Você consegue sonhar até este ponto? Eu
ajudo você! Sabe aquela sua depressão, que faz você se sentir um lixo? Ela vai
acabar, porque Deus é maior do que a sua depressão. Entregue-se confiadamente
em suas mãos e ele o acolherá! E aquele seu luto, a imensa saudade da pessoa
amada que se foi? Deus é maior do que o seu luto e ele quer consolar você. Deus
é até maior do que a morte! Ele quer enxugar as suas lágrimas. Ele tem um colo
bem grande, para que você possa aninhar-se ali e pedir carinho... Não é bonito
esse sonho?
IV
Eu acho! E
ele não é um consolo barato, não! Ele é um desafio! Porque nós podemos sonhar
tão confiadamente de que Deus é maior do que todos os nossos problemas e
dificuldades, dores e medos, e confessar que ele é todo-poderoso, é que nós não
podemos ficar de braços cruzados.
Aquela
pequena comunidade nos ensinou isso de um modo muito bacana. Enquanto eles
esperavam que o Senhor voltasse para trazer este novo mundo de justiça e paz,
eles não ficaram de braços cruzados esperando. Eles dividiam o pouco que tinham
entre si, ajudavam os pobres, consolavam os enlutados e davam todo o apoio às
viúvas. O livro de Atos nos conta que eles tinham “tudo em comum”. Mesmo
vivendo em lugares escondidos, eles louvavam a Deus e não deixavam de fazer
missão. A esperança era o motor de tudo isso.
Nós também
podemos fazer isso hoje. O nosso sonho de um Deus que vai mudar toda essa
miséria do nosso mundo em coisa nova, quer ser experimentado já agora. Mesmo
que seja a conta-gotas! Somos desafiados e desafiadas a colocar pequenos sinais
e gestos que deixam claro que nós sabemos que a injustiça não vai ter a última
palavra. Por isso, buscamos a justiça. Sinais que mostrem o quanto acreditamos
que todos são iguais, não rejeitando quem é diferente, ou discriminando pessoas
por causa da sua cor, da sua nacionalidade ou da sua aparência.
Sabe o que é
a melhor coisa nesse sonho que estamos tendo aqui hoje? É que ele não se
realiza a partir de grandes projetos políticos ou de revoluções, ou seja, ele
não acontece a partir das ações de poderosos. Ele acontece na minha vida, na
sua vida, na vida da nossa comunidade a partir de gestos bem pequenos, de
experiências minúsculas que, por causa do poder que só o amor tem, viram
gigantescas ações transformadoras e que trazem justiça, paz, vida, alegria,
plenitude e salvação. E isso só acontece porque está conosco o Deus
todo-poderoso, que é o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega; aquele que, através
do Cristo Vivo, renova todas as coisas. Amém.
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Prédica
proferida na Igreja Martin Luther, de Blumenau-Itoupava Seca, em 28.04.2013
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