quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Comunicação ontem e hoje

Um dos temas mais apaixonantes das relações humanas é o da comunicação. Já me flagrei diversas vezes tentando imaginar o longo caminho da humanidade entre os primeiros grunhidos do homem das cavernas, combinando a estratégia da caçada, e as mensagens que os cientistas enviaram rumo às estrelas, na esperança de resposta de algum canto do universo que nos dê a certeza de não estarmos sozinhos na imensidão. Entre um extremo e outro, estão a origem das línguas faladas no mundo e a comunicação instantânea na qual vivemos.

Por certo, a trilha da comunicação não foi fácil para a humanidade. Para falar a verdade, a maioria dos grandes obstáculos comunicacionais ainda não foi removida. Isso porque, mesmo vivendo na era da informação e da aldeia global, a humanidade ainda não conseguiu construir a fraternidade e o entendimento entre todos.

Apesar de já dispormos de ferramentas como o Google Translator, capaz de fazer a tradução instantânea de qualquer texto da internet (ainda sofrível, é verdade), o entendimento entre os povos não se resume a entender a língua do outro. Para compreendê-lo, é preciso entender o seu modo de vida, a sua visão de mundo, a sua religião, as leis que regem a sua sociedade e mais uma infinidade de coisas que o tornam um sujeito único.

Ainda assim, não compreenderei bem o outro sem a prática da aceitação. A verdadeira comunicação só pode acontecer quando estivermos dispostos a abandonar os nossos preconceitos em relação ao diferente. Mais do que ter um bom dicionário, é preciso uma generosa dose de tolerância.

Fiquei impressionado ao aprender, nas primeiras preleções na faculdade, que a história de Israel foi sendo montada em noites de contação de história ao redor de fogueiras ao longo de séculos e de gerações, antes de serem escritas para fazer parte da Torá (o Antigo Testamento. Lembrei-me das noites que eu passei à beira do fogão a lenha, com a minha família, ouvindo as histórias dos tempos dos meus avós. Era bem parecido com a tradição oral que construiu a história de Israel.

A história dos povos foi sendo construída assim. A própria linguagem de cada povo foi sendo moldada ao redor da fogueira. Somente muito depois vieram os escritos, os documentos, os pergaminhos, as gramáticas, os escritores, os livros, as bibliotecas e os historiadores.

Com isso, a comunicação foi se sofisticando. Passou dos desenhos nas cavernas pré-históricas, para os hieróglifos e os diferentes alfabetos que foram fixando o conhecimento humano. No começo, caprichosos escribas foram registrando e multiplicando tudo. Depois, vieram os tipos móveis de Gutenberg e a tipografia, a máquina de escrever, a pintura e a fotografia.

No século 20, a comunicação passou por tantas revoluções que já não é mais possível a uma única geração absorver tantas mudanças. O século passou da tipografia ao offsett e à impressão digital. Viu a fotografia em preto e branco transformar-se em cores, acabou com o filme e criou a imagem digital. Conheceu o cinema mudo e falado, o filme technicolor e digital, para chegar ao cinema em três dimensões. Viu também o surgimento do rádio e da televisão. Aprendeu a falar ao telefone com manivela, através da telefonista e via satélite. Hoje, o celular está na mão de milhões no mundo inteiro e em qualquer lugar.

O século 20 matou lentamente a carta de papel e o telegrama. O rádio amador é uma paixão de senhoras idosas, e a leitura de um bom livro é coisa cada vez mais rara.

Um dia, o jovem Bill Gates disse ao seu pai: “vou largar a faculdade e fazer um software”. O pai, que nunca tinha ouvido falar disso, fez o filho prometer que, depois de fazer o tal software, iria terminar a faculdade. Bill Gates desenvolveu os programas para o computador pessoal, abrindo as portas para a era da informática e da internet interligando o mundo num clique.

Ah, sim, vinte anos depois, como um dos homens mais ricos do planeta, Bill Gates cumpriu a promessa e concluiu o curso de matemática em Harvard, dedicando o diploma ao pai. A sua ousadia de jovem contribuiu para uma revolução tão gigantesca na comunicação quanto a invenção de Gutenberg.

Na era da internet, a comunicação tornou-se virtual e individualizada. É possível fazer um mapeamento da vida das pessoas com imagem e tudo, via satélite, pelo GPS, em qualquer lugar do planeta. O planeta inteiro está fotografado em detalhes via satélite e disponível no Google Earth.

Entretanto, nossa moderna capacidade de comunicação tem servido muito mais para criar barreiras, aumentar as distâncias que nos separam e, até, para nos mandar mutuamente para o inferno. Na internet, pode-se levar uma pessoa ao sucesso ou ao fundo do poço em algumas horas.

Quando a bispa alemã Margot Kässmann tomou uma taça de vinho a mais e dirigiu em seguida, ela não chegou a fechar o portão da garagem de casa sem ter um batalhão de repórteres em seu encalço, cobrando dela a sua atitude. Em poucos dias, o assédio foi tão gigantesco, que ela não teve outra saída senão renunciar ao posto de liderança da Igreja Evangélica da Alemanha. Em pouco mais de 24 horas, uma das pessoas mais respeitadas da Alemanha tinha toda a sua vida transformada num inferno por causa dos efeitos nocivos da comunicação.

Como ela, há milhões de outros exemplos em todo o mundo. O que eu quero dizer com isso? Com toda a nossa tecnologia de comunicação, ainda estamos na idade das cavernas quando o assunto é o bom uso disso. A tecnologia, que nos aproximou tanto, contribui para nos dividir, separar e isolar cada vez mais. Na era da comunicação, somos milhões de pessoas-ilha, cada uma vivendo para si.

A tragédia chega à tela da nossa TV digital no mesmo instante em que acontece, nos comove por alguns minutos, mas não nos torna solidários, agentes de transformação ou seres humanos melhores. Antes, tal agilidade da informação nos tem endurecido gradativamente, tirando a nossa sensibilidade. A comunicação precisa transformar os nossos corações. E este é o passo mais difícil, que nenhuma tecnologia disponível parece poder superar. Ele depende somente de nós mesmos. A chave para isso não é melhorar ainda mais nosso acesso a informação, mas dar um upgrade na nossa capacidade de ouvir, compreender e respeitar o outro como ele é.

(Publicado no Anuário Evangélico 2011)