segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Natal e o Apocalipse

Nesta véspera de Natal, três dias depois do insistentemente anunciado fim do mundo que não se realizou, é o momento oportuno para retomar o assunto. Natal, tempo de “renovo mui delgado”, como define o poeta, é a data que anuncia a grandiosa intenção divina de arrumar a casa. Mas não do modo imaginado pelos catastrofistas apocalípticos. O renovo delgado representa a chegada de um novo tempo, pleno, holístico. 

“Um menino nos nasceu, um filho se nos deu. Seu nome será Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”, anunciava o profeta Isaías, enquanto João anuncia “Novos Céus e Nova Terra em que habita a justiça”, um lugar com tudo novo, onde “não haverá mais choro, nem pranto, nem dor”, onde “a morte já não existirá”. São todas palavras de muita renovação, esperança, plenitude e paz. São palavras muito especiais, que não têm lugar para a ecatombe.  

O fim cataclísmico de todas as coisas é uma invenção humana, que tem origem no desejo de vingança. O apocalipse é uma espécie de chicote conclusivo, que castiga todos os males da humanidade e está invariavelmente voltado na direção dos outros. Porque o mal está sempre no outro e não em mim. O apocalipse, na mente dos que se julgam escolhidos de Deus, é a fatura final, que cobra cada centavo dos que ousam andar por um caminho independente. Na ânsia de esfregar esta fatura na cara dos adversários, passam o rodo na mensagem central do Apocalipse, que é o anúncio da chegada de um novo tempo de renovação plena. 

O apocalipse, no modo mais uma vez esperado no último dia 21 de dezembro, é uma genial invenção da mente criativa e teatral da humanidade, com direito a requintes de crueldade. Os mensageiros desse apocalipse com ar de final destrutivo de todas as coisas estão em todas as manifestações religiosas: os profetas do apocalipse. E os grandes gênios desse modo de enxergar o fim dos tempos estão reunidos em Hollywood. Filmes como Independence Day e 2012 são suprassumos dessa corrente. Este último, aliás, o principal inspirador da absurda deturpação interpretativa do calendário maia, que jamais anunciou o fim do planeta de modo destrutivo, mas sim a chegada de uma nova era. 

Estamos nesta nova era há três dias. No monótono curso da terra, com suas dezenas de rotações e translações dançantes pelo universo, nada foi alterado. Eis que se fez noite e dia, luz e sombra, calor e frio nos mesmos lugares onde acontecem há milhões de anos... Tudo do mesmo jeito de sempre. Quanto a nós, estamos há três dias vivendo mais uma oportunidade de participar do novo. 

O menino na manjedoura representa um novo tempo que teimamos em rejeitar. Ele é muito frágil para as nossas cabeças criativas e cheias de inventividade escatológica.  Ele é tão pequeno, mais leve do que uma pluma, mais doce do que o mel e mais amável do que o próprio amor. Impossível ser este o portador de um novo tempo, de um “novo céu e uma nova terra em que habita a justiça”. Como pode ser definido como Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Príncipe da Paz?  

Mas é justamente aí que reside a deliciosa incoerência de Deus. Ele é Maravilhoso neste menino. Ele é Conselheiro, Deus Forte e Príncipe da Paz justamente neste garoto frágil e indefeso. O sublime reside nele. Ele é o próprio amor encarnado neste nosso planeta repleto de pequenos apocalipses personalizados e diários. E o amor de Deus não destrói.  

O amor de Deus se revela para construir novos céus e nova terra. Não numa outra imagem kitsch, que imagina o cenário pós-apocalíptico como um campo verde repleto de flores e de ovelhas pastando ao lado de leões e crianças acariciando lobos, com todos os escolhidos vestidos assexuadamente de túnicas brancas que refletem a luz de modo ofuscante. Tampouco, na imagem de joalheria da Nova Jerusalém toda dourada e coroada de diamantes. 

O amor de Deus é justiça e paz; um mundo sem guerras, fome, medo, dor, sofrimento ou morte; em que as pessoas são tratadas segundo o conceito do amor, não segundo as medidas da pseudojustiça humana, que condena implacavelmente e é tardia em perdoar. A Nova Era iniciada em Cristo é a da aceitação incondicional, que não pode ser comprada, vendida ou revogada.  Ela nos chega sem merecimento ou cobranças, algo difícil de entrar em cabeças que têm uma implacável balança instalada, sobre a qual se deposita cada gesto, palavra ou pensamento do outro.  A balança que Deus revela no menino na manjedoura é a da graça plena, que perdoa e aceita, acolhe e abraça. Esta graça divina rejeita o apocalipse catástrofe e anuncia um novo tempo, renovado e pleno, de justiça e paz.  

Feliz Natal e renovado Ano Novo de Paz e Graça.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Ação de Graças no campo e na cidade



A ideia de agradecer pela colheita certamente é um dos costumes mais antigos da humanidade e foi prática nas mais diversas culturas, muito antes do surgimento do cristianismo ou das religiões monoteístas. A sobrevivência sempre esteve estreitamente ligada à bênção dos deuses, responsáveis pela fertilidade do solo, pelo tempo conveniente para o desenvolvimento das culturas e pela fartura na hora da colheita.

No cristianismo, a festa da colheita surgiu como uma celebração tradicional do calendário já a partir do terceiro século. Por motivos óbvios, ela não pode ter uma data comum ao redor do mundo, uma vez que os tempos de colheita mudam conforme a região geográfica e o clima. Trazida pelos imigrantes ao Novo Mundo, ela passou cedo a ser festejada no início do inverno no hemisfério Sul, em substituição à tradicional data europeia de meados de outubro.

Hoje, a festa da colheita integra um culto na maior parte das comunidades que a celebram; um dia especial em que os frutos da terra são conduzidos ao altar, em sinal de gratidão pela fartura da safra. É uma festa especial, bonita e carregada de simbologia, na qual se agradece a Deus pela criação e pelos resultados do trabalho. Isto certamente é muito bom, pois, enquanto o ser humano se considera parte da cria­ção divina, ele também irá atribuir a Deus tudo aquilo que produz, tornando-se agradecido por tudo.

Será que aqueles frutos sobre o altar, no dia do culto de ação de graças pela colheita, são um sinal suficientemente significativo de todo fruto do trabalho humano em nossos dias? Hoje, o campo de trabalho que mais se desenvolve em todas as sociedades modernas é o setor de serviços. Será que esse setor, que nos separa em produtores e consumidores, aparece de maneira significativa na liturgia e na reflexão de um culto voltado para a festa da colheita? Será que nossa liturgia de ação de graças pela colheita contempla de maneira satisfatória o mundo dos serviços e as relações de trabalho dos nossos dias?

De modo geral, os cultos de ação de graça pela colheita são celebrados com uma litur­gia rural, com todo seu romantismo e linguagem característicos. Ainda se fala nos “frutos da terra”, nas “dádivas da colheita”, na “generosidade da natureza”, ao mesmo tempo em que o altar fica tomado por batatas, repolhos, sacos de milho, pães e cucas de aspecto muito saboroso e, às vezes, até por algum animal vivo (um porco, uma novilha ou um marreco), devidamente reservado no fundo da igreja para a hora do leilão.

Isso pode e deve permanecer assim, porque é uma tradição rica e até mesmo educativa, uma vez que ajuda muitos a ver ao vivo o que apenas reconhecem sofrivelmente no supermercado. Será que as pessoas que nada mais têm a ver com o mundo rural ainda conseguem reconhecer sua atividade prestadora de serviços na simbologia rural? Ou será que alguém aí já teve a brilhante ideia de colocar um computador no altar, em meio a abóboras e vasos de flores? Ou fomos capazes de lembrar-se dos muitos que perderam seus empregos em função da falência da empresa mais importante da localidade naquele ano?
Outra dimensão que deveria nos preocupar de modo especial, é a das injustas relações de trabalho e de salários da maioria do povo. Trata-se de uma injustiça que faz bilhões de vítimas ao redor do planeta. É o ponto exato em que somos desafiados a perceber que dar graças a Deus pelo que temos e colhemos é muito mais que fazer um belo culto de gratidão. Dar graças é manter os celeiros abertos. Enquanto a fome continua vitimando a metade da humanidade, mantemos nossos celeiros abarrotados e, pior, com as portas cadeadas.
Talvez seja este o principal motivo do fracasso parcial de um programa mundialmente elogiado, como o Fome Zero. Para repartir é preciso ser grato e a verdadeira gratidão somente faz sentido quando reparte. E não apenas o supérfluo, o excedente, o dispensável. Repartir é dividir o indispensável. O limite é a parábola de Jesus sobre o agricultor que realizou uma colheita excepcional e decidiu abarrotar seus celeiros, construindo mais para guardar tudo (Lucas 12.16-21).

Um último aspecto a ser levado em conta é a crescente influência da cidade sobre o campo. Não estou nem pensando nas mudanças de hábitos e tradições em função da facilidade de acesso à informação. Minha preocupação dirige-se, de modo específico, para o crescente gerenciamento empresarial do campo, que deve usar todos os meios para produzir cada vez mais e melhor.

Também a pesquisa científica vem ganhando cada vez mais espaço, em especial a pesquisa genética e de transgênicos. Uma natureza manipulada e agredida rende-se ao poder dos microscópios e levanta perguntas que não podem ser simplesmente encobertas por celebrações românticas e bonitas. Será este modo de colher, levado ao extremo pela tecnologia, também ainda um motivo para agradecimento a Deus? Ou ele deve ser, muito antes, objeto sério de preocupação e ques­tio­na­men­to?

A humanidade permanece sendo parte da natureza e da criação de Deus, mesmo quando intervém nela de modo agressivo e ousado. E, talvez faça bem a esta humanidade refletir sobre sua dependência dessa natureza. A partir dessa reflexão, podemos expressar nossa gratidão a Deus enquanto lhe ofertamos ações de graças pelas dádivas de sua cria­ção e pelas muitas dimensões do trabalho humano. Ao mesmo tempo, precisamos assumir um compromisso mais sério de responsabilidade pela preservação da criação e pela inclusão das muitas pessoas que estão do lado de fora da sala de jantar na hora em que nos regalamos com o fruto do nosso trabalho.

Publicado na revista Novolhar/Junho de 2004

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Jesus, a luz e a publicidade

“Assim também a luz de vocês deve brilhar diante das pessoas, para que vejam as coisas boas que vocês fazem e dêem glória a Deus, que está no céu.” Mateus 5.16

Jesus disse essas palavras há dois mil anos, e era carpinteiro. Hoje ele seria publicitário, porque sem querer ele estabeleceu um dos princípios da publicidade. O que seria da publicidade sem a luz? Como evidenciar marcas, produtos, serviços, tendências, conceitos, sem iluminá-los com holofotes, néons, front- e back-lights, cores e brilho? Sem a luz, a publicidade perderia o glamour, a riqueza e a eficiência.

A luz deve brilhar. Sem ela, não há publicidade. E Jesus já sacou isso muito bem há dois mil anos: sem a luz não há proclamação do evangelho, missão ou crescimento do Reino de Deus. Por isso, ele diz que a nossa luz deve brilhar! Sem isso, ninguém fica sabendo como é bom fazer parte do seu grupo de seguidores. É preciso encher o mundo de anúncios do amor, da paz, da reconciliação e da salvação. É preciso divulgar a causa do amor, da paz, da reconciliação, anunciando que um outro mundo é possível.

A luz é a maravilhosa criação divina que gera calor, aconchego, beleza, esplendor. E é exatamente isso que Cristo quer dizer, ao pedir que a nossa luz deve brilhar. E brilhar aqui significa consumir energia, dar o melhor de si para o outro.

É o contrário do que estamos acostumados na nossa sociedade, onde tudo tem um preço, onde o cliente sempre tem razão e onde a gente se deixa servir pelos fornecedores e exige sempre o melhor deles. Na vida que Jesus espera de nós a gente não busca o melhor para si, mas está disposto a investir tudo para dar o máximo em favor do outro. Este é o significado da palavra de Jesus: “Que a luz de vocês brilhe diante dos outros, para que vejam as coisas boas que vocês fazem”.

Outra característica da luz é que ela torna o lugar em que brilha alegre. Onde a luz desaparece, instala-se a tristeza do apagão. A luz tem força contra as trevas do mau humor, da indisposição e do stress. Sim, porque a vida não é um mar de rosas e muitas vezes o apagão se instala, e nós sofremos com ele. Contra os apagões da vida há somente um remédio. A luz. Por menor que ela seja, uma simples centelha, ela é capaz de afastar as trevas e trazer de volta a esperança, o ânimo e o sentimento de aconchego.

Ainda um último aspecto importante. A nossa luz deve ser vista na sociedade, para além do nosso pequeno mundinho, “para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem a Deus, que está no céu”. Precisamos dar nossa contribuição para diminuir as trevas do mundo ao nosso redor. Isso acaba dando sentido à nossa própria existência. Isso mantém o combustível da nossa própria vela sempre no nível, para que a luz não se apague. Não nos escondamos no nosso mundinho, porque ele não se basta a si mesmo.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Preparado para o fim dos tempos?

Já começou. Um clima de expectativa em torno de mais um anúncio de fim do mundo está mexendo com as pessoas. Esotéricos de plantão afirmam que, segundo previsão maia, um evento catastrófico planetário deve ocorrer no final deste ano. O deadline do apocalipse é o dia 21 de dezembro de 2012.

Esse tipo de previsão tem audiência garantida há milhares de anos e ainda hoje. O que, afinal, está por trás da previsão maia? O que ela tem a ver com o Apocalipse, um dos livros mais lidos da Bíblia e que tem dado origem a muitas interpretações e polêmicas? Qual é a real mensagem do Apocalipse?

CALENDÁRIO MAIA - Os maias deixaram uma impressionante civilização, surgida entre 2.000 e 1.500 anos antes de Cristo, que mais tarde foi “absorvida” pelos astecas, ainda antes da chegada dos espanhóis. Essa civilização deixou um legado na América Central que intriga os pesquisadores até hoje.

Poucas civilizações deixaram registros tão significativos sobre astronomia, matemática e arquitetura. Seu calendário foi aperfeiçoado ao longo 1.200 anos, com cálculos tão precisos, que era capaz de relacionar os movimentos do Sol, de Vênus, da Lua e das constelações num mesmo calendário, ainda hoje usado nas comunidades de origem maia, provando que o fim dessa fascinante cultura indígena é um mito.

Com uma percepção cíclica do tempo – não linear, como a nossa –, os maias entendiam que os fatos se repetem de tempos em tempos, permitindo prever o futuro. Assim como as fases da lua e as estações do ano, também a história se repete num círculo virtuoso, permitindo prever chuva e estiagem, fartura e carestia, vigor e declínio civilizatório e a chegada de novos governantes. O calendário maia é dividido em eras de 5.125 anos, subdivididas em 13 baktunes de 400 anos.

Num registro encontrado no sítio arqueológico de Tortuguero-México, consta a data “4 Ajaw 3 K’ank’in” (em nosso calendário, é o dia 21 de dezembro de 2012). É o fim de uma era de 13 baktunes, ao término da qual o deus Bolon Yokte retornaria para começar uma nova era.

Para quem tem percepção linear do tempo, isso é difícil de entender. O apocalipse encaixa-se bem em nossa visão porque o tempo corre em linha reta, rumo a um final. Para os maias, o tempo anda em círculos. Quando uma era fecha a roda, começa outra. Não há espaço para o apocalipse.

Por muito tempo, essas inscrições foram um mistério. Hoje se sabe que são previsões com recomendações gerais para o povo, desde o nome e o destino de cada pessoa até questões sobre colheitas ou o clima. A visão cíclica do tempo e a observação cuidadosa dos acontecimentos permitiam antecipar-se à repetição no próximo ciclo, o que era parte fundamental do pensamento maia.

APOCALIPSE – Nossas previsões de que o mundo vai acabar têm origem no medo do futuro e na perspectiva de um fim catastrófico, como castigo divino pelos desmandos da humanidade. Especialmente na época de Jesus, o apocalipsismo era muito popular. O livro do Apocalipse é apenas um dos muitos textos da época. Marcos 13, Mateus 24 e Lucas 21 são outros exemplos de textos apocalípticos no Novo Testamento. Isso é como lenha na fogueira das seitas e da criatividade dos estúdios de Hollywood. Mas não pode ser medida para a fé fundamentada em Jesus Cristo.

Embora seja um dos livros mais pesquisados e que mais despertam a curiosidade de todas as gerações de cristãos, o Apocalipse não apresenta previsões que possam ser calculadas. Qual é, então, a mensagem do Apocalipse?

De certa maneira, há uma impressionante semelhança com a visão maia sobre o tempo. A data “4 Ajaw 3 K’ank’in” era a previsão da esperança imanente de que o deus Bolon Yokte voltaria. O Apocalipse conta como a esperança vê encerrar-se o tempo em que vivemos e indica um novo tempo, sob o reinado de Cristo, e essa é uma esperança transcendente.

Todo o resto, mesmo no Apocalipse de João, são especulação e efeitos especiais. É pirotecnia que ofusca a mensagem central de esperança cristã, de um tempo sem dor, sem morte, no aconchego revitalizador de Deus, que tudo criou e tudo renova. Em Cristo, esperamos por esse novo tempo, que deve encerrar um período de sofrimentos e catástrofes, muitos deles provocados pela própria arrogância humana.

O apocalipse não quer meter medo, mas nos desafia profeticamente. Colocar sinais da esperança que nos move é o motor que alimenta o nosso sonho mais remoto e mais bonito, abafando qualquer conversa atemorizante sobre um fim catastrófico e destrutivo. A esperança na parusia – a nova vinda – de Cristo anima-nos a colocar pequenas e reveladoras parusias diárias ao nosso redor, que antecipam um novo tempo repleto de paz e salvação.

(Artigo publicado na revista Novolhar n. 45, maio/junho de 2012)

sexta-feira, 23 de março de 2012

A generosidade fiscal de Deus

Por esses dias recebi um comunicado seco da Secretaria da Fazenda da prefeitura da minha cidade, informando que havia débito de IPTU. Caso não passasse num exíguo prazo de alguns dias na Prefeitura para acertar os débitos pendentes, o meu nome seria incluído na dívida ativa do Município.

Tremi na base. Logo eu, que sempre procuro andar dentro da lei e pagar direitinho as minhas contas. Entrar na lista negra dos devedores do Fisco não era exatamente o que eu apreciava.

Virei gavetas do avesso e desenterrei todos os carnês de IPTU desde 2001. Fui à cata dos que não estavam no respectivo envelope, tudo para saber exatamente do que se tratava. Misteriosamente, alguns carnês haviam sido extraviados ou guardados em algum lugar que, quando a gente atinge certa idade, é simplesmente apagado de nossa mente.

A minha filha prontificou-se a ir até a Prefeitura para ver o que estava havendo. Ela também havia recebido a mesma notificação. Não sendo afeita a ficar pendurando contas no prego do esquecimento, foi atrás.

“Pai, sabe aquela história do IPTU? Por alguma razão, faltava o pagamento de uma única prestação do carnê do ano passado, no valor de 35 reais!”

Ela pagou a dívida e ficou mais tranquila, embora revoltada, porque todos os anos a Prefeitura alardeia “abatimento da dívida ativa” para devedores contumazes. Eles já sabem de antemão que não pagar impostos gera benefícios posteriores. Para receber parte, o Estado “esquece” o grosso da dívida, passando uma borracha. A gente que paga os impostos rigorosamente em dia e não deixa nada pendente, sente-se otário diante de relapsos que deixam tudo atrasar para pagar menos mais tarde.

Foi nisso que veio à minha mente uma celebrada afirmação do Reformador Martim Lutero. “Esto peccator et pecca fortiter” (seja um pecador e peque forte), aconselhou ele numa de suas muitas pregações dominicais. O objetivo era valorizar a graça de Deus.

Muitos cristãos ficam com uma listinha na mão do que deve e não deve ser feito, pode ou não pode ser experimentado, dito, visto, ouvido e pensado. A sua vida vira um verdadeiro inferno de pequenas leis e regras áureas. O objetivo é a clara tentativa de manchar o menos possível a alva túnica com que pretendem apresentar-se diante do Senhor no juízo final.

Alguns até se aplicam em sublinhar algumas coisas nessa lista que devem ser destacadas como mais importantes do que outras. Outros se esmeram ao extremo para montar uma lista para ser cumprida pelos outros e tornam-se intransigentes. Gostariam de ter um lugar à direita do Senhor para alertar contra eventuais benevolências exageradas com este ou aquele devedor, que em sua visão merecia maior rigor no juízo divino.

Lutero é cruel. Ele reduz essas listas de boas intenções a pó. “Tudo isso não serve para coisa alguma.” No final de anos de bom pagador de impostos, vem o Fisco ameaçar você de inclusão na dívida ativa por conta de uma prestação de 35 reais. Já aqueles que deixam tudo atrasado recebem regalos do Fisco, para que paguem ao menos uma parte do que devem.

Não que a graça de Deus seja comparável à generosidade fiscal da Prefeitura da minha cidade. Muito menos que agora você ou eu devêssemos parar de pagar as nossas contas só porque a perspectiva futura é de que nos perdoem boa parte delas no futuro.

A graça de Deus independe da nossa listinha de pessoas comportadas e cumpridoras dos seus deveres. “Peque forte!” Somente assim você saberá dar valor à graça, que nos recolhe bem do meio do lodo em que nos metemos todo santo dia, nos dá um banho e passa o melhor perfume para receber-nos em salões da mais alta nobreza.

Nesse contexto, sempre é bom lembrar que não existem “pecadinhos e pecadões”. No imaginário popular, o pecado é quase como algo que a gente vai acumulando ao longo da vida, como dívidas do IPTU, por exemplo. Um dia, sem mais nem menos, a gente acha que vai parar na “dívida ativa” de Deus, uma lista de gente que, com certeza, vai amargar o inferno por conta das coisas que fez (ou deixou de fazer!).

O pecado não é uma desobediência aqui e outra ali, numa lista pré-determinada. O pecado é uma condição. Segundo essa visão, não somos a soma da nossa lista de pecados diante de Deus, mas simplesmente pecadores. E isso nos lança na condição de afastados de Deus. Nesse sentido, todo o esforço para “pagar as nossas dívidas mantendo os carnês em dia” não ajuda em coisa alguma.

Em outras palavras, com os carnês em dia ou não, todos nós já estamos na lista da dívida ativa de Deus. Não há como escapar. Por mais que nos esforcemos, sempre haverá um carnê que sumiu ou uma prestação que não foi quitada. Os nossos 35 reais estarão esperando por nós e nos lançarão inevitavelmente na lista negra dos devedores.

Por isso, diante de Deus e de sua graça, o comportamento daqueles que jogam os carnês fora e ficam esperando a generosidade da “prefeitura” divina é o correto. As contas já estão pagas e eventuais dívidas serão perdoadas. Cristo nos liberta da condição de devedores – de pecadores – e nos reaproxima de Deus. A distância que nos separava desaparece. Assim, diante de Deus, nada de listinhas ou de carnês quitados...

quarta-feira, 14 de março de 2012

Fazendo negócios com o poder do Espírito Santo

Por onde começar?, pensei, ao iniciar este artigo. Com esta dúvida cruel na cabeça, tomei a decisão mais comum desses tempos da era da informática. Fui a um site de busca, na internet, e digitei: “O Poder do Espírito Santo”. Uma verdadeira avalanche invadiu meu computador. Não contei o número de páginas sobre o assunto, mas a quantidade e a variedade impressionavam.

“Nós o recebemos!”, festejava um emocionado casal, num depoimento. “Desse dia em diante, eu e minha esposa nunca mais fomos os mesmos e percebemos, em pouco tempo, que o poder do Espírito Santo estava operando, primeiramente, em nossas próprias vidas. Começamos a ser curados das feridas da nossa alma, as enfermidades do corpo foram embora (enxaqueca, dependência de calmantes, miopia etc), nosso relacionamento conjugal foi restaurado...”, eles iam listando.

Furacão de prodígios

Como este, era possível visitar muitos outros sites. Eles refletem uma busca característica dos nossos tempos e que tem marcado cada vez mais a religiosidade popular deste início de século 21. Depois do pentecostalismo clássico (a primeira onda) e da renovação carismática (a segunda onda), um novo furação varre o universo religioso. É a chamada terceira onda, do neopentecostalismo formado especialmente por igrejas que fundamentam sua razão de ser e seu proselitismo em sinais e maravilhas.

“Sabemos, porque é bíblico, que algumas pessoas foram cheias do Espírito Santo e não receberam o falar em novas línguas imediatamente”, reconhece o site de uma tal “Igreja Apostólica e Profética Águas”. Mas, ao insistir na necessidade do batismo do Espírito Santo, o site recomenda expressamente: “Porém, os ministrantes devem procurar levar a pessoa a falar em novas línguas no ato da ministração, pois isso será confirmação para a própria pessoa de que recebeu o Batismo no Espírito Santo”.

Uma recomendação da Igreja Águas a seus ministros me chamou especial atenção: “Pessoas que tenham vindo de igrejas tradicionais e que não aceitam o Batismo no Espírito Santo e o falar em novas línguas devem ser levadas a quebrar todo bloqueio mental pelos ensinamentos errados que receberam”.

Segundo este movimento, o evangelho não é mais anunciado através da palavra somente, mas a ênfase recai especialmente na demonstração através de sinais e de acontecimentos sobrenaturais. Falar em línguas, profecias, curas e muitos efeitos especiais fazem parte do anúncio. Em muitos casos, o sobrenatural chega até a perder a razão ou o contexto dentro do culto ou do próprio anúncio: demonstrações de riso sem parar, de quedas, urros e o aparecimento de dentes de ouro estão entre eles.

Também fazem parte o culto à prosperidade como norma de vida, o uso de fórmulas lingüísticas de expulsão de demônios (“eu o amarro!”, “declaro esta cidade liberta!”) e sessões de descarrego, além de identificar doenças psicológicas como formas de possessão demoníaca.

Consumismo espiritual

Outra característica desta onda é a de uma evidente hierarquisação entre os crentes, fazendo com que todos queiram atingir o grau máximo obtido por aqueles que têm o Batismo no Espírito Santo.

O movimento pentecostal não apenas colocou o inusitado e o espetacular como uma parte importante da fé, mas os transformou num objeto de desejo para cada crente. Consome-se Espírito Santo como se consome um produto descartável qualquer.
Deseja-se tanto o espetáculo quanto se anela desesperadamente pelo último lançamento da indústria automobilística.

O pentecostalismo deixa nos seus adeptos a nítida sensação de que, sem tais experiências fantásticas, falta algo imprescindível na vida do cristão. Atingir este ponto da graça é elevar-se acima do nível do crente comum. No degrau superior estariam os batizados no Espírito Santo e, no inferior, os que ainda não o foram. Esta “hierarquia dos salvos” é um corpo estranho na palavra de Deus. Aqueles que ainda não experimentaram tais momentos mágicos são levados a avaliar sua vida de fé como distanciada do fogo do Espírito.

Ao enfatizarem um interesse primário por tais manifestações espetaculares, os pentecostais e neopentecostais abraçam o misticismo característico das massas e divulgam uma visão distorcida do evangelho. Onde impera o ávido desejo pelo extraordinário, o Evangelho vai ficando para trás. Ao rico da parábola de Lázaro (Lucas 16.19ss), Abraão diz que um ato extraordinário enviado do céu aos seus irmãos ainda vivos poderiam transformá-los em crentes, mas eles têm o que precisam: Moisés e os profetas, ou seja, as escrituras.

Consolador

Tudo isso, na verdade, denota uma grande confusão em torno do verdadeiro papel do “Consolador” prometido por Jesus. “O Espírito Santo é a alma da Igreja. Ai da comunidade cristã, se for possuída por outros espíritos. Sofrerá problemas psicológicos.
Perderá sua identidade. Sem o Espírito de Deus, a Igreja entra em agonia”, escreve o ex-presidente da IECLB e da Federação Luterana Mundial, pastor Dr. Gottfried Brakemeier. Mas, ele adverte que, apesar do Espírito Santo despertar e mobilizar, “não é o extraordinário que o identifica”, porque “fenômenos de êxtase são conhecidos também no paganismo”.

Realmente, uma sessão de descarrego tem intrigante semelhança com uma sessão de umbanda, com a diferença que aí a fumaça dos charutos, o alucinante ritmo dos tambores e a cachaça ajudam a garantir que o “espírito baixe”. Na visão do Dr. Brakemeier, “o Espírito Santo não precisa do diabo para se perfilar”, principalmente deste diabo que, “curiosamente, sempre está nos outros”.

A principal característica do Espírito Santo é criar comunhão, jamais a discórdia. Não é possível afirmar-se “batizado no Espírito Santo” ao mesmo tempo em que se promove briga, desprezo e rachas dentro da comunidade cristã, ao hierarquizar a fé entre os mais e menos crentes. O Espírito Santo também promove a grande diversidade de dons que há na comunidade. Por isso, não se pode rejeitar, em seu nome. “A intransigência religiosa e o exclusivismo grupal destroem o templo de Deus”, escreve Brakemeier.

A vida do cristão

Para que o dia de Pentecostes volte a ocupar o lugar de importância que lhe é devido, também em nossas comunidades luteranas tradicionais, é preciso que saibamos: para se manifestar, o Espírito Santo não precisa do espetáculo, nem de sinais sobrenaturais. “A igreja luterana é pentecostal à sua maneira”, festeja Brakemeier. Ela sabe que o Consolador não é um gás misterioso que incorpora nas pessoas, mas é o poder de Deus presente na Palavra e no Sacramento, instrumentos pelos quais ele santifica toda a cristandade.

Por outro lado, não há truque que faça o Espírito Santo baixar. Ele é soberano e não permite que o manipulem. Sem show ou calafrios na espinha, ele motiva em nós a fé, o amor e a esperança. Mais que isso, ele torna o cristão humilde, agradecido, amante da justiça. O milagre que ele opera é o do desejo incontrolável de participar do reino de Deus e de sua justiça, colocando sinais ao longo de cada novo dia, que mostram que o evangelho liberta e transforma. Isso independe de manchetes em jornais ou de receitas miraculosas de sucesso que contam multidões de convertidos ou igrejas repletas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Como cooperar com o Evangelho

Texto: 1 Coríntios 9.16-23

Estimada comunidade,

Um detalhe chamou minha atenção na coluna do Valther Ostermann, no Jornal de Santa Catarina, há alguns dias. O comentarista dizia receber dezenas de e-mails com pedidos de que ele “dê um pau” a respeito deste ou daquele problema, no sentido de cobrar providências. Muitos, entretanto, colocavam uma ressalva no seu pedido: “Só fala que o pedido veio de mim, pois você sabe, tenho um nome a zelar, tenho família, etc, etc! Não convém que saibam que fui eu que pedi isso”.

É estranho esse comportamento, isto é, de querer preservar-se, de empurrar outros para a linha de frente da batalha, enquanto ficamos na retaguarda, torcendo, mas sem se envolver diretamente. Este, aliás, é um comportamento bastante comum na nossa sociedade. Somente poucos estão dispostos a entrar de cabeça para resolver algum problema. De modo geral, as pessoas não gostam de se expor. Preferem a posição mais confortável e segura da arquibancada, onde se aninha a torcida, que cobra dos jogadores, mas não tem habilidade alguma com a bola.

No mundo virtual, da internet, isso aparece mais ainda. A internet é o paraíso dos anônimos. As pessoas postam sua opinião livremente – e às vezes sem modos e sem freios –, escondendo-se na zona confortável do anonimato.

Há, entretanto, um comportamento ainda mais estranho nas pessoas, e que é praticado pelo mesmo motivo, o de tentar preservar-se, de não se expor. É o comportamento daquelas pessoas que mudam de opinião conforme sopra o vento. Sinto que também muitos luteranos agem assim. Nunca dizem exatamente o que pensam ou o sentem; sempre concordam com a opinião do seu interlocutor, mesmo que isso possa significar até um arrepio na espinha, interiormente.

Muitas pessoas jamais revelam o seu interior; evitam falar sobre assuntos como religião, futebol e política. Afinal, são temas polêmicos, que podem destruir uma amizade, acabar com um encontro de família ou criar desconforto e mal-estar. Para evitar essas verdadeiras sinucas de bico, as pessoas evitam tocar em assuntos polêmicos. São adeptas do ditado “em boca fechada não entra mosca”.

Em nosso texto de hoje, o apóstolo Paulo diz que, para pregar o evangelho com mais chance de resultados, “fiz-me tudo em todos”. E ele explica, com diversos exemplos, como foi adaptando o seu discurso aos seus interlocutores. “Sendo livre de todos, tornei-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.” E ele vai listando: tornou-se judeu para os judeus, um legalista para os que vivem sob a lei, um sem lei para os que não vivem debaixo da lei, um fraco para os fracos.

Estaria Paulo afirmando que o nosso comportamento dissimulado é correto? Será que o resumo desse texto é a idéia de que devemos nos adaptar para sobreviver? É correto, segundo Paulo, que eu me torne alguém que me empenhe em todos os sentidos para agradar as pessoas à minha volta? Paulo é a favor de que usemos máscaras, disfarces e enganemos os outros a respeito do que realmente somos? Tenho que abrir mão da minha personalidade para agradar a todo mundo, e evitar confrontos, esbarrões e desaprovação?

Se julgamos esse texto de 1 Coríntios uma aprovação bíblica para o comportamento dissimulado, eu afirmo que estamos diante de um dos textos mais mal-interpretados da Bíblia. Muita gente gosta de ler somente a metade do que é dito nesses versículos, e se aproveita dessa meia interpretação para fundamentar a sua atitude, o seu disfarce, a sua máscara. O que esse tipo de interpretação se esquece de ler é o pensamento “sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível”.

O que o apóstolo Paulo – o incansável pregador e missionário do Evangelho de Jesus Cristo – faz é adaptar-se para ingressar com maior desenvoltura no coração das pessoas com a sua mensagem. Ele se torna um deles, mas somente para não ser rejeitado logo de cara. Ele tem um objetivo em mente: alcançar o outro e convencê-lo.

Assim, o nosso texto fala de tudo, menos de dissimulação, adaptação, disfarce ou de máscaras. Mascarados se disfarçam para proteger-se a si mesmos; para esconder-se. Os mascarados não querem ser reconhecidos. Num baile de máscaras você pode até exagerar, pois ninguém saberá quem está oculto atrás daquele sorridente rosto anônimo de plástico. Quando dissimulamos, queremos nos ocultar, não queremos dar na vista, não queremos ser reconhecidos, não queremos que os outros saibam quem realmente somos ou o que pensamos, na verdade. O objetivo é escapar das conseqüências do jogo aberto, minimizar os riscos, evitar as dificuldades típicas de quem coloca todas as cartas na mesa.

Ao dissimular, na verdade, estamos querendo evitar que relações importantes se quebrem. Ao abrir o jogo, pessoas podem afastar-se de nós e até corremos o risco de perder algum vínculo que gostaríamos de continuar explorando, porque nos é útil para o presente ou para o futuro. Estamos preocupados com a utilidade das relações que cultivamos. Se nos expomos demais, o risco de alguém dizer que não quer mais nada conosco aumenta perigosamente. Então, disfarçamos e nos fechamos.

O apóstolo Paulo não está interessado nesse tipo de dissimulação ao afirmar que “se tornou tudo para com todos”. O que o move é um jogo de cintura cuidadoso e necessário em favor de sua principal causa, a pregação do Evangelho de Jesus Cristo. A mensagem de Cristo precisa chegar até as pessoas. A serviço dessa mensagem é que Paulo decide tornar todo o resto sem importância. Por isso, ele faz de tudo (ou quase de tudo) para que essa mensagem chegue aos ouvidos e corações das pessoas. Paulo se aprimora em conhecer seus interlocutores, aprofunda-se nos seus hábitos, na sua maneira de agir e de pensar, na sua cosmovisão, na história de suas vidas e até mesmo na sua ideologia para poder falar de igual para igual, com conhecimento de causa e, assim, construir uma base sólida, amigável, receptiva para a mensagem que tem a transmitir. Paulo não disfarça. Seu interesse não está em preservar a sua própria pessoa. Ele não faz manobras evasivas. Ele abre trilhos que possam ser seguidos, caminhos que possam ser caminhados.

“OK”, vamos dizer, “tudo bem!”. Paulo também era um apóstolo do Senhor, um missionário, e tinha certa obrigação de usar esse tipo de estratégia, em nome dos bons resultados. Ele tinha a missão de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo. Mas, e nós? Qual é o nosso compromisso? Qual é a bandeira que temos para defender com tanta integridade e disposição de enfrentamento, que valeria a pena correr todos os riscos que mencionamos antes? O que justificaria que nós permitíssemos que o Valther Ostermann mencionasse o nosso nome em sua coluna ao “dar um pau” em relação a determinado assunto no jornal?

Tudo bem, vamos deixar as velhas críticas de lado, sobre o nosso jeito meio desleixado de viver a vida cristã, as muitas oportunidades que perdemos de dar um bom testemunho ou de agir segundo aquilo que cremos. Afinal, isso tudo nós já sabemos de cor e salteado, e nenhum pastor precisa ficar repetindo isso todos os domingos. Afinal, dentro da estratégia defendida pelo apóstolo Paulo, não iria ajudar em nada tentar falar do evangelho para vocês a partir dos velhos e conhecidos clichês de cobrança, do tipo “vocês fazem tudo errado!”. Isso não ajudaria a pavimentar um bom caminho até os corações de vocês para que recebam a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo.

Paulo afirma que ele faz de tudo pela causa do Evangelho, com o fim de tornar-se cooperador com ele (v. 23). Este é o ponto. Não é preciso ser um missionário profissional para cooperar com o Evangelho. Cada um de nós, eu, você e você, todos somos desafiados a ser cooperadores do Evangelho.

Que conseqüências práticas isso tem para a nossa vida, o nosso modo de ser e de viver, naquilo que dizemos ou fazemos, e também no que deixamos de dizer ou de fazer? Cooperar com o evangelho é o desafio, porque a gente só coopera naquilo que aprecia, que acha bom, que aprova e aceita como algo importante, de valor para nós. E quando isso é assim, então o fazemos com alegria e determinação, não com má vontade e como se fosse uma carga insuportável.

A nossa cooperação com o Evangelho somente pode acontecer com alegria quando temos bem claro diante de nós tudo aquilo que recebemos de presente de Deus, através do Evangelho, ou seja, em Jesus Cristo nós fomos tornados filhos e filhas de Deus. Ele eliminou, afastou, destruiu todas as coisas que nos separavam do Pai, ou seja, o pecado, a culpa, o nosso jeito errado de ser, a nossa incoerência e o medo que nos atormenta, trazendo-nos vida plena, libertação, salvação. Tudo isso ele conquistou através de sua morte e ressurreição. Agora nós estamos livres de tudo aquilo que pesava sobre nós. Estamos livres até de tudo aquilo que nem sabíamos estar entre o Pai e nós e que o magoava e doía.

Todo esse discurso teológico nós também poderíamos resumir assim: estamos livres para viver numa imensa serenidade, na maior tranqüilidade e sem peso na consciência. Não precisamos mais nos preocupar nem mesmo quando vivemos dias ruins, porque a nossa relação com Deus está resolvida. Não precisamos mais barganhar, acumular um estoque de coisas boas para comprar a nossa liberdade e a nossa salvação. Jesus Cristo já fez isso por nós!

E agora me digam, meus estimados, minhas estimadas! Ao sabermos de tudo isso, não vamos estar prontos a cooperar de todas as maneiras com o Evangelho, para que os outros também possam experimentar isso em suas vidas? Não vamos, também nós, fazer todo esforço para colocar sinais ao longo do caminho de que vale a pena, porque o amor que recebemos pode e deve modificar o mundo em que vivemos, trazendo liberdade, justiça, paz, inclusão, aceitação, fraternidade, mentes e corpos livres, vida plena para todos, sem nenhum tipo de distinção?

E por fim, meus caros, se vamos cooperar dessa maneira com essa maravilhosa mensagem do Evangelho, vamos continuar com as nossas máscaras? Vamos continuar dissimulando, calando, aceitando e engolindo em seco diante de tanta coisa injusta, desumana? Vamos deixar de nos envolver onde o amor é pisoteado com as botas do ódio e da discriminação, da exclusão e do egoísmo, da arrogância e da prepotência? Vamos fingir que não vimos, fazer de conta que não ouvimos, fazer cara de quem não entendeu, só para manter vínculos que escravizam, amarras que rendem bons lucros ou pontes que levam direto para o inferno?

Com toda sinceridade, se a salvação em Cristo nos torna cooperadores do Evangelho, nem precisamos mais recorrer ao Valther Ostermann para “dar um pau” em nosso lugar. Nós mesmos vamos nos empenhar ao extremo, na busca por paz, justiça e salvação para todos. Amém.

Pregação proferida em Blumenau-Itoupava Seca no domingo 05.02.2012