terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Como cooperar com o Evangelho

Texto: 1 Coríntios 9.16-23

Estimada comunidade,

Um detalhe chamou minha atenção na coluna do Valther Ostermann, no Jornal de Santa Catarina, há alguns dias. O comentarista dizia receber dezenas de e-mails com pedidos de que ele “dê um pau” a respeito deste ou daquele problema, no sentido de cobrar providências. Muitos, entretanto, colocavam uma ressalva no seu pedido: “Só fala que o pedido veio de mim, pois você sabe, tenho um nome a zelar, tenho família, etc, etc! Não convém que saibam que fui eu que pedi isso”.

É estranho esse comportamento, isto é, de querer preservar-se, de empurrar outros para a linha de frente da batalha, enquanto ficamos na retaguarda, torcendo, mas sem se envolver diretamente. Este, aliás, é um comportamento bastante comum na nossa sociedade. Somente poucos estão dispostos a entrar de cabeça para resolver algum problema. De modo geral, as pessoas não gostam de se expor. Preferem a posição mais confortável e segura da arquibancada, onde se aninha a torcida, que cobra dos jogadores, mas não tem habilidade alguma com a bola.

No mundo virtual, da internet, isso aparece mais ainda. A internet é o paraíso dos anônimos. As pessoas postam sua opinião livremente – e às vezes sem modos e sem freios –, escondendo-se na zona confortável do anonimato.

Há, entretanto, um comportamento ainda mais estranho nas pessoas, e que é praticado pelo mesmo motivo, o de tentar preservar-se, de não se expor. É o comportamento daquelas pessoas que mudam de opinião conforme sopra o vento. Sinto que também muitos luteranos agem assim. Nunca dizem exatamente o que pensam ou o sentem; sempre concordam com a opinião do seu interlocutor, mesmo que isso possa significar até um arrepio na espinha, interiormente.

Muitas pessoas jamais revelam o seu interior; evitam falar sobre assuntos como religião, futebol e política. Afinal, são temas polêmicos, que podem destruir uma amizade, acabar com um encontro de família ou criar desconforto e mal-estar. Para evitar essas verdadeiras sinucas de bico, as pessoas evitam tocar em assuntos polêmicos. São adeptas do ditado “em boca fechada não entra mosca”.

Em nosso texto de hoje, o apóstolo Paulo diz que, para pregar o evangelho com mais chance de resultados, “fiz-me tudo em todos”. E ele explica, com diversos exemplos, como foi adaptando o seu discurso aos seus interlocutores. “Sendo livre de todos, tornei-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.” E ele vai listando: tornou-se judeu para os judeus, um legalista para os que vivem sob a lei, um sem lei para os que não vivem debaixo da lei, um fraco para os fracos.

Estaria Paulo afirmando que o nosso comportamento dissimulado é correto? Será que o resumo desse texto é a idéia de que devemos nos adaptar para sobreviver? É correto, segundo Paulo, que eu me torne alguém que me empenhe em todos os sentidos para agradar as pessoas à minha volta? Paulo é a favor de que usemos máscaras, disfarces e enganemos os outros a respeito do que realmente somos? Tenho que abrir mão da minha personalidade para agradar a todo mundo, e evitar confrontos, esbarrões e desaprovação?

Se julgamos esse texto de 1 Coríntios uma aprovação bíblica para o comportamento dissimulado, eu afirmo que estamos diante de um dos textos mais mal-interpretados da Bíblia. Muita gente gosta de ler somente a metade do que é dito nesses versículos, e se aproveita dessa meia interpretação para fundamentar a sua atitude, o seu disfarce, a sua máscara. O que esse tipo de interpretação se esquece de ler é o pensamento “sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível”.

O que o apóstolo Paulo – o incansável pregador e missionário do Evangelho de Jesus Cristo – faz é adaptar-se para ingressar com maior desenvoltura no coração das pessoas com a sua mensagem. Ele se torna um deles, mas somente para não ser rejeitado logo de cara. Ele tem um objetivo em mente: alcançar o outro e convencê-lo.

Assim, o nosso texto fala de tudo, menos de dissimulação, adaptação, disfarce ou de máscaras. Mascarados se disfarçam para proteger-se a si mesmos; para esconder-se. Os mascarados não querem ser reconhecidos. Num baile de máscaras você pode até exagerar, pois ninguém saberá quem está oculto atrás daquele sorridente rosto anônimo de plástico. Quando dissimulamos, queremos nos ocultar, não queremos dar na vista, não queremos ser reconhecidos, não queremos que os outros saibam quem realmente somos ou o que pensamos, na verdade. O objetivo é escapar das conseqüências do jogo aberto, minimizar os riscos, evitar as dificuldades típicas de quem coloca todas as cartas na mesa.

Ao dissimular, na verdade, estamos querendo evitar que relações importantes se quebrem. Ao abrir o jogo, pessoas podem afastar-se de nós e até corremos o risco de perder algum vínculo que gostaríamos de continuar explorando, porque nos é útil para o presente ou para o futuro. Estamos preocupados com a utilidade das relações que cultivamos. Se nos expomos demais, o risco de alguém dizer que não quer mais nada conosco aumenta perigosamente. Então, disfarçamos e nos fechamos.

O apóstolo Paulo não está interessado nesse tipo de dissimulação ao afirmar que “se tornou tudo para com todos”. O que o move é um jogo de cintura cuidadoso e necessário em favor de sua principal causa, a pregação do Evangelho de Jesus Cristo. A mensagem de Cristo precisa chegar até as pessoas. A serviço dessa mensagem é que Paulo decide tornar todo o resto sem importância. Por isso, ele faz de tudo (ou quase de tudo) para que essa mensagem chegue aos ouvidos e corações das pessoas. Paulo se aprimora em conhecer seus interlocutores, aprofunda-se nos seus hábitos, na sua maneira de agir e de pensar, na sua cosmovisão, na história de suas vidas e até mesmo na sua ideologia para poder falar de igual para igual, com conhecimento de causa e, assim, construir uma base sólida, amigável, receptiva para a mensagem que tem a transmitir. Paulo não disfarça. Seu interesse não está em preservar a sua própria pessoa. Ele não faz manobras evasivas. Ele abre trilhos que possam ser seguidos, caminhos que possam ser caminhados.

“OK”, vamos dizer, “tudo bem!”. Paulo também era um apóstolo do Senhor, um missionário, e tinha certa obrigação de usar esse tipo de estratégia, em nome dos bons resultados. Ele tinha a missão de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo. Mas, e nós? Qual é o nosso compromisso? Qual é a bandeira que temos para defender com tanta integridade e disposição de enfrentamento, que valeria a pena correr todos os riscos que mencionamos antes? O que justificaria que nós permitíssemos que o Valther Ostermann mencionasse o nosso nome em sua coluna ao “dar um pau” em relação a determinado assunto no jornal?

Tudo bem, vamos deixar as velhas críticas de lado, sobre o nosso jeito meio desleixado de viver a vida cristã, as muitas oportunidades que perdemos de dar um bom testemunho ou de agir segundo aquilo que cremos. Afinal, isso tudo nós já sabemos de cor e salteado, e nenhum pastor precisa ficar repetindo isso todos os domingos. Afinal, dentro da estratégia defendida pelo apóstolo Paulo, não iria ajudar em nada tentar falar do evangelho para vocês a partir dos velhos e conhecidos clichês de cobrança, do tipo “vocês fazem tudo errado!”. Isso não ajudaria a pavimentar um bom caminho até os corações de vocês para que recebam a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo.

Paulo afirma que ele faz de tudo pela causa do Evangelho, com o fim de tornar-se cooperador com ele (v. 23). Este é o ponto. Não é preciso ser um missionário profissional para cooperar com o Evangelho. Cada um de nós, eu, você e você, todos somos desafiados a ser cooperadores do Evangelho.

Que conseqüências práticas isso tem para a nossa vida, o nosso modo de ser e de viver, naquilo que dizemos ou fazemos, e também no que deixamos de dizer ou de fazer? Cooperar com o evangelho é o desafio, porque a gente só coopera naquilo que aprecia, que acha bom, que aprova e aceita como algo importante, de valor para nós. E quando isso é assim, então o fazemos com alegria e determinação, não com má vontade e como se fosse uma carga insuportável.

A nossa cooperação com o Evangelho somente pode acontecer com alegria quando temos bem claro diante de nós tudo aquilo que recebemos de presente de Deus, através do Evangelho, ou seja, em Jesus Cristo nós fomos tornados filhos e filhas de Deus. Ele eliminou, afastou, destruiu todas as coisas que nos separavam do Pai, ou seja, o pecado, a culpa, o nosso jeito errado de ser, a nossa incoerência e o medo que nos atormenta, trazendo-nos vida plena, libertação, salvação. Tudo isso ele conquistou através de sua morte e ressurreição. Agora nós estamos livres de tudo aquilo que pesava sobre nós. Estamos livres até de tudo aquilo que nem sabíamos estar entre o Pai e nós e que o magoava e doía.

Todo esse discurso teológico nós também poderíamos resumir assim: estamos livres para viver numa imensa serenidade, na maior tranqüilidade e sem peso na consciência. Não precisamos mais nos preocupar nem mesmo quando vivemos dias ruins, porque a nossa relação com Deus está resolvida. Não precisamos mais barganhar, acumular um estoque de coisas boas para comprar a nossa liberdade e a nossa salvação. Jesus Cristo já fez isso por nós!

E agora me digam, meus estimados, minhas estimadas! Ao sabermos de tudo isso, não vamos estar prontos a cooperar de todas as maneiras com o Evangelho, para que os outros também possam experimentar isso em suas vidas? Não vamos, também nós, fazer todo esforço para colocar sinais ao longo do caminho de que vale a pena, porque o amor que recebemos pode e deve modificar o mundo em que vivemos, trazendo liberdade, justiça, paz, inclusão, aceitação, fraternidade, mentes e corpos livres, vida plena para todos, sem nenhum tipo de distinção?

E por fim, meus caros, se vamos cooperar dessa maneira com essa maravilhosa mensagem do Evangelho, vamos continuar com as nossas máscaras? Vamos continuar dissimulando, calando, aceitando e engolindo em seco diante de tanta coisa injusta, desumana? Vamos deixar de nos envolver onde o amor é pisoteado com as botas do ódio e da discriminação, da exclusão e do egoísmo, da arrogância e da prepotência? Vamos fingir que não vimos, fazer de conta que não ouvimos, fazer cara de quem não entendeu, só para manter vínculos que escravizam, amarras que rendem bons lucros ou pontes que levam direto para o inferno?

Com toda sinceridade, se a salvação em Cristo nos torna cooperadores do Evangelho, nem precisamos mais recorrer ao Valther Ostermann para “dar um pau” em nosso lugar. Nós mesmos vamos nos empenhar ao extremo, na busca por paz, justiça e salvação para todos. Amém.

Pregação proferida em Blumenau-Itoupava Seca no domingo 05.02.2012