sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Nossas esperanças

Esses dias de Quaresma nos remetem aos últimos dias de Jesus em Jerusalém. Um grupo crescente de israelitas se encantava com mais um messias triunfalista. Sua chegada à capital subjugada do outrora espetacular reino de Davi e Salomão os enchia de muitas esperanças. "Agora vai!", eles imaginavam! Ele vai restaurar a majestade de Javé em Sião! Tudo vai mudar! Tudo vai melhorar! Acabou a crise!
Frustrados, poucos dias depois eles veem tudo acabar ali, numa miserável cruz... o lugar mais degradável, onde se executam os ladrões e os bandidos, à beira do caminho e do lado de fora dos muros da cidade.
Dois mil anos depois, nada mudou. Continuamos com a mesma cabeça do povo nos tempos de Jesus. "Agora vai!", erguemos as mãos da esperança em direção a novos messias triunfalistas. Como em centenas de situações desde aqueles dias já distantes em Jerusalém, a fênix das nossas esperanças ressurge das cinzas e volta ser consumida pelo fogo, indefinidamente.
Messias triunfalistas? "Isso nón ecsiste!", dizia o Padre Quevedo. Nem mesmo Jesus foi um deles. Porque a sua salvação "não é deste mundo".
Está na hora de nos darmos conta disso, para tomarmos o nosso destino nas próprias mãos. Somos nós os únicos capazes de colocar nossos sonhos em prática. Esperanças não são terceirizáveis!

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A Graça de Deus é otária

Uma afronta ao bom censo. Assim seria classificada a ousadia trabalhista daquele vinhateiro. "Você quer subverter a ordem trabalhista em nosso meio?", perguntariam seus colegas proprietários de vinícolas. "Depois não se queixe, se não conseguirmos mais ninguém para colher as nossas uvas!".
É que ele havia decidido pagar o salário mínimo aos seus trabalhadores. Mas saiu em diferentes horários, pois não conseguiu todos os trabalhadores logo de manhã. Ao meio dia, contratou mais alguns. No final do dia, ainda encontrou alguns sem trabalho e os contratou também. E no final do dia, pagou igual pra todo mundo: um salário mínimo, conforme combinado. Ah, mas o barraco rolou solto, assim que os primeiros viram que a turminha do fim da tarde recebeu a mesma coisa. Imagina! Que absurdo! (Confira a história de Jesus, em Mateus 20.1-16).
"Eu sei o que vai acontecer", profetizou um dos viticultores naquela exacerbada reunião de classe... "Amanhã você vai sair para contratar trabalhadores e ninguém vai querer vir pela manhã. Mas lá pelas quatro horas da tarde, quando você ficar o dia todo sem colher nada, eles virão às pencas para trabalhar uma hora e receber o seu salário mínimo! Eu conheço bem este povo. Você é um otário!".
É uma história surreal. Subverte nosso conceito de justiça e trucida nossos padrões de economia. Somos capazes de criar o "meio salário mínimo", num país que tem o Salário Mínimo como padrão mínimo de pagamento a alguém, não é? "É justo!", dizemos, pois o cara só trabalhou meio período...
Para Deus não tem isso. Salário Mínimo é Salário Mínimo, e acabou. Isso é graça. Não importa se quem vem para receber a sua parte é Madre Tereza de Calcutá ou o ladrão que foi crucificado à direita de Jesus e pediu perdão pelos seus crimes no último segundo antes da meia noite...
A graça é otária. Assumidamente otária. E isso nos revolta, não é mesmo? Como pode Deus ser tão injusto que aceita aquele safado do meu vizinho que só aprontou a vida toda com a mesma serenidade com que recebe um cara que dedicou toda a sua longa vida e profissão à pregação do evangelho?
Lamento decepcioná-lo, mas Deus é tão otário que nem balança tem. E se você faz as contas de cada tostão que põe na caixa de ofertas da igreja ou de cada gesto de caridade que pratica, então você é mais otário do que Deus...
Agora, se você quer arriscar e ficar sem trabalhar o dia inteiro e ser contratado somente às 17 horas na expectativa de receber o mesmo dos dedicados trabalhadores que trabalharam o dia inteiro na colheita, é seu direito. Mas você pode ficar sem contrato e sem salário... Entendeu, otário?