segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Natal e o Apocalipse

Nesta véspera de Natal, três dias depois do insistentemente anunciado fim do mundo que não se realizou, é o momento oportuno para retomar o assunto. Natal, tempo de “renovo mui delgado”, como define o poeta, é a data que anuncia a grandiosa intenção divina de arrumar a casa. Mas não do modo imaginado pelos catastrofistas apocalípticos. O renovo delgado representa a chegada de um novo tempo, pleno, holístico. 

“Um menino nos nasceu, um filho se nos deu. Seu nome será Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”, anunciava o profeta Isaías, enquanto João anuncia “Novos Céus e Nova Terra em que habita a justiça”, um lugar com tudo novo, onde “não haverá mais choro, nem pranto, nem dor”, onde “a morte já não existirá”. São todas palavras de muita renovação, esperança, plenitude e paz. São palavras muito especiais, que não têm lugar para a ecatombe.  

O fim cataclísmico de todas as coisas é uma invenção humana, que tem origem no desejo de vingança. O apocalipse é uma espécie de chicote conclusivo, que castiga todos os males da humanidade e está invariavelmente voltado na direção dos outros. Porque o mal está sempre no outro e não em mim. O apocalipse, na mente dos que se julgam escolhidos de Deus, é a fatura final, que cobra cada centavo dos que ousam andar por um caminho independente. Na ânsia de esfregar esta fatura na cara dos adversários, passam o rodo na mensagem central do Apocalipse, que é o anúncio da chegada de um novo tempo de renovação plena. 

O apocalipse, no modo mais uma vez esperado no último dia 21 de dezembro, é uma genial invenção da mente criativa e teatral da humanidade, com direito a requintes de crueldade. Os mensageiros desse apocalipse com ar de final destrutivo de todas as coisas estão em todas as manifestações religiosas: os profetas do apocalipse. E os grandes gênios desse modo de enxergar o fim dos tempos estão reunidos em Hollywood. Filmes como Independence Day e 2012 são suprassumos dessa corrente. Este último, aliás, o principal inspirador da absurda deturpação interpretativa do calendário maia, que jamais anunciou o fim do planeta de modo destrutivo, mas sim a chegada de uma nova era. 

Estamos nesta nova era há três dias. No monótono curso da terra, com suas dezenas de rotações e translações dançantes pelo universo, nada foi alterado. Eis que se fez noite e dia, luz e sombra, calor e frio nos mesmos lugares onde acontecem há milhões de anos... Tudo do mesmo jeito de sempre. Quanto a nós, estamos há três dias vivendo mais uma oportunidade de participar do novo. 

O menino na manjedoura representa um novo tempo que teimamos em rejeitar. Ele é muito frágil para as nossas cabeças criativas e cheias de inventividade escatológica.  Ele é tão pequeno, mais leve do que uma pluma, mais doce do que o mel e mais amável do que o próprio amor. Impossível ser este o portador de um novo tempo, de um “novo céu e uma nova terra em que habita a justiça”. Como pode ser definido como Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Príncipe da Paz?  

Mas é justamente aí que reside a deliciosa incoerência de Deus. Ele é Maravilhoso neste menino. Ele é Conselheiro, Deus Forte e Príncipe da Paz justamente neste garoto frágil e indefeso. O sublime reside nele. Ele é o próprio amor encarnado neste nosso planeta repleto de pequenos apocalipses personalizados e diários. E o amor de Deus não destrói.  

O amor de Deus se revela para construir novos céus e nova terra. Não numa outra imagem kitsch, que imagina o cenário pós-apocalíptico como um campo verde repleto de flores e de ovelhas pastando ao lado de leões e crianças acariciando lobos, com todos os escolhidos vestidos assexuadamente de túnicas brancas que refletem a luz de modo ofuscante. Tampouco, na imagem de joalheria da Nova Jerusalém toda dourada e coroada de diamantes. 

O amor de Deus é justiça e paz; um mundo sem guerras, fome, medo, dor, sofrimento ou morte; em que as pessoas são tratadas segundo o conceito do amor, não segundo as medidas da pseudojustiça humana, que condena implacavelmente e é tardia em perdoar. A Nova Era iniciada em Cristo é a da aceitação incondicional, que não pode ser comprada, vendida ou revogada.  Ela nos chega sem merecimento ou cobranças, algo difícil de entrar em cabeças que têm uma implacável balança instalada, sobre a qual se deposita cada gesto, palavra ou pensamento do outro.  A balança que Deus revela no menino na manjedoura é a da graça plena, que perdoa e aceita, acolhe e abraça. Esta graça divina rejeita o apocalipse catástrofe e anuncia um novo tempo, renovado e pleno, de justiça e paz.  

Feliz Natal e renovado Ano Novo de Paz e Graça.