terça-feira, 30 de abril de 2013

Convite para sonhar



Texto: Apocalipse 21.1-6

I

O apocalipse é um tema dramático e assustador, que já inspirou muitas histórias, livros, filmes e seriados de TV. Não falta criatividade para falar sobre o fim do mundo. Que o digam os diretores de Hollywood, que já abordaram o fim da nossa civilização por meio de guerras, invasões alienígenas, catástrofes climáticas ou algum vírus letal dizimando impiedosamente a humanidade. Que o digam também os incontáveis autores de livros sobre o fim dos tempos. Eles vendem milhões de exemplares. Ainda não faz tanto tempo que a história do calendário maia deixou muita gente maluca, por prever o fim dos tempos para o dia 21 de dezembro. Mais uma vez, uma previsão errada, que frustrou muitos.
Falar do apocalipse dentro da igreja também sempre atraiu muitos cristãos com suas dúvidas e perguntas a respeito desse livro repleto de mistérios. Parece que as pessoas têm uma espécie de relação forte com esse tema. Aliás, nós somos os únicos seres deste planeta que temos a clara noção de que, um dia, tudo vai acabar. E também somos os únicos que fazemos um grande drama em torno disso! Somos criativos ao extremo para imaginar bestas, anticristos, finais catastróficos para o mundo e um grande julgamento que, finalmente, vai dar o castigo merecido aos maus e a justa recompensa aos bons.

II

O texto bíblico que nos serve de reflexão no dia de hoje é um trecho do Apocalipse de João. Mas não tem nada de catastrófico. Ao contrário, transmite uma linda mensagem de paz e de esperança, que fala de um mundo totalmente novo, livre de todo sofrimento, onde Deus estará no comando. Mais! Neste novo mundo Deus vai construir a sua casa bem no meio das nossas e vai morar com a gente. É uma imagem belíssima, que nos inspira a sonhar. Isso, no meu entender, não tem nada a ver com todo esse catastrofismo que normalmente vem de carona quando o assunto é o apocalipse.
Por isso, hoje eu proponho inverter um pouco as coisas. Não vamos olhar o Apocalipse a partir de um futuro devastador e destrutivo, mas vamos olhar para ele a partir do passado. Vamos nos perguntar pelas razões que levaram João a escrever um livro que fala de um Deus forte e poderoso. João certamente tem muitos motivos para escrever este livro, mas um, em particular, chama muita atenção.
Este livro dirige-se à primeira comunidade cristã, um grupo bem pequeno de pessoas, que sofria feroz perseguição do poderoso império romano. O imperador, chamado de César, era adorado como um deus e ninguém sequer ousava questionar o seu poder ou as suas decisões. Com poder absoluto, o imperador era o chefe supremo, que escravizava e libertava, prendia e soltava, dava a vida ou decretava a morte. As pessoas em Roma eram obrigadas a adorar César como um deus, e quem não se sujeitasse ao culto ao imperador, era perseguido, oprimido e morto.
Para resistir a todo esse absolutismo, o livro de Apocalipse apontava para o futuro e dizia que não seria sempre assim. César tinha poder absoluto agora, mas Deus tem mais poder que ele. Deus é todo-poderoso! A comunidade cristã primitiva não tinha dúvida sobre isso. Deus tem muito mais poder do que o imperador romano. E ele não é só todo-poderoso. O seu poder não é totalitário, implacável, injusto. Deus é como um pai que pode tudo.
Interessante observar que a expressão “todo-poderoso” como adjetivo de Deus aparece nove vezes no Apocalipse, e somente outras três vezes em todo o resto do novo testamento. Para a primeira comunidade, que esperava a volta imediata do Senhor, não era o imperador romano que mandava nas coisas. Sabe por quê? Porque Deus não manda só no mundo, mas na própria história! Se ele é o Senhor da história, e pode todas as coisas, ele pode inclusive acabar com o império romano, ele também manda no imperador!
Mais ainda, os primeiros cristãos tinham a convicção de que isso valia especialmente nesses tempos de perseguição em que viviam. O imperador podia mandar prender, mas Deus era a liberdade. O imperador podia até mandar matar; Deus é mais poderoso do que a morte! Ele havia ressuscitado Jesus Cristo.
Por mais que o império romano fizesse de tudo para esmagar aquele grupo, mais ele se tornava forte e resistente, porque era movido pela certeza de que Deus é todo-poderoso. Aqueles cristãos resistiam e, nos subterrâneos do poderoso império romano, crescia clandestinamente uma igreja de gente convicta de que o seu Senhor era maior que César.
O combustível para a perseverança da primeira comunidade era a vitória de Cristo sobre a morte. Os romanos mataram o Senhor, mas Deus o ressuscitou! Deus ressuscita! E isso o imperador não tem poder de fazer!
Então, o livro de apocalipse, anunciando a destruição implacável do império romano e de todos os reinos desse mundo, anuncia que Deus vai fazer tudo novo, criando um novo céu e uma nova terra, onde ele vai construir a sua casa no meio da sua gente; Deus vai morar conosco! Em suma, ele vai cuidar de nós e não vamos mais ter nenhum tipo de problema, dificuldade, sofrimento, perseguição, tristeza ou carência. Vai haver justiça absoluta e paz plena; vida em abundância e salvação.

III

Não é um sonho maravilhoso? Eu penso que sim. É um sonho que ajuda qualquer um a enfrentar qualquer parada! Não há o que temer, porque o nosso Deus é maior do que todas as coisas!
Será que isso ainda vale em nossos dias? Será que nós também podemos abraçar o livro de Apocalipse a partir dessa interpretação e afirmar, venha o que vier, o nosso Deus é maior do que todos os problemas que nos venham a atingir? E se nós podemos abraçar essa esperança como uma coisa também válida em nossos dias, será que, então, nós também podemos sonhar? Eu penso que sim!
Por isso mesmo, eu os convido para sonhar junto comigo! Eu posso ver um mundo sem corrupção, sem guerras, sem fome. Eu consigo imaginar um mundo sem destruição ambiental e sem aquecimento global. Eu vejo um mundo em que as pessoas serão conhecidas pelo seu caráter e não pela cor da sua pele ou sua procedência. Posso imaginar um mundo em que todos têm alimentos, casa, roupas, saúde e vida plena. Em que as pessoas são iguais, sem qualquer distinção. Eu consigo sonhar com um mundo sem violência, onde as pessoas não são assaltadas ou ameaçadas para roubar, em que não há balas perdidas, estupros e assassinatos por motivos banais. Eu posso sonhar até com um mundo onde os juízes serão aposentados e as cadeias serão transformadas em hotéis e pousadas.
Vocês conseguem acompanhar o meu sonho? Sabem qual é o motivo de eu acreditar nele? O meu Deus, que arrancou Jesus Cristo das garras da morte, é mais forte do que tudo neste mundo. Ele é todo-poderoso! Quando eu afirmo isso no primeiro artigo do Credo Apostólico, eu realmente acredito. Por isso, a promessa de novos céus e de nova terra continua em vigor, quando ele diz essas palavras do nosso texto, que eu leio agora na linguagem de hoje:
“Agora a morada de Deus está entre os seres humanos! Deus vai morar com eles, e eles serão o povo dele. O próprio Deus estará com eles e será o Deus deles. Ele enxugará dos olhos deles todas as lágrimas. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor. As coisas velhas já passaram. Agora faço novas todas as coisas!”
Sabe, este texto me faz sonhar ainda mais. Ele me dá a certeza de que até mesmo as nossas dores pessoais estão contempladas. Você consegue sonhar até este ponto? Eu ajudo você! Sabe aquela sua depressão, que faz você se sentir um lixo? Ela vai acabar, porque Deus é maior do que a sua depressão. Entregue-se confiadamente em suas mãos e ele o acolherá! E aquele seu luto, a imensa saudade da pessoa amada que se foi? Deus é maior do que o seu luto e ele quer consolar você. Deus é até maior do que a morte! Ele quer enxugar as suas lágrimas. Ele tem um colo bem grande, para que você possa aninhar-se ali e pedir carinho... Não é bonito esse sonho?

IV

Eu acho! E ele não é um consolo barato, não! Ele é um desafio! Porque nós podemos sonhar tão confiadamente de que Deus é maior do que todos os nossos problemas e dificuldades, dores e medos, e confessar que ele é todo-poderoso, é que nós não podemos ficar de braços cruzados.
Aquela pequena comunidade nos ensinou isso de um modo muito bacana. Enquanto eles esperavam que o Senhor voltasse para trazer este novo mundo de justiça e paz, eles não ficaram de braços cruzados esperando. Eles dividiam o pouco que tinham entre si, ajudavam os pobres, consolavam os enlutados e davam todo o apoio às viúvas. O livro de Atos nos conta que eles tinham “tudo em comum”. Mesmo vivendo em lugares escondidos, eles louvavam a Deus e não deixavam de fazer missão. A esperança era o motor de tudo isso.
Nós também podemos fazer isso hoje. O nosso sonho de um Deus que vai mudar toda essa miséria do nosso mundo em coisa nova, quer ser experimentado já agora. Mesmo que seja a conta-gotas! Somos desafiados e desafiadas a colocar pequenos sinais e gestos que deixam claro que nós sabemos que a injustiça não vai ter a última palavra. Por isso, buscamos a justiça. Sinais que mostrem o quanto acreditamos que todos são iguais, não rejeitando quem é diferente, ou discriminando pessoas por causa da sua cor, da sua nacionalidade ou da sua aparência.
Sabe o que é a melhor coisa nesse sonho que estamos tendo aqui hoje? É que ele não se realiza a partir de grandes projetos políticos ou de revoluções, ou seja, ele não acontece a partir das ações de poderosos. Ele acontece na minha vida, na sua vida, na vida da nossa comunidade a partir de gestos bem pequenos, de experiências minúsculas que, por causa do poder que só o amor tem, viram gigantescas ações transformadoras e que trazem justiça, paz, vida, alegria, plenitude e salvação. E isso só acontece porque está conosco o Deus todo-poderoso, que é o Princípio e o Fim, o Alfa e o Ômega; aquele que, através do Cristo Vivo, renova todas as coisas. Amém.
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Prédica proferida na Igreja Martin Luther, de Blumenau-Itoupava Seca, em 28.04.2013