quarta-feira, 14 de março de 2012

Fazendo negócios com o poder do Espírito Santo

Por onde começar?, pensei, ao iniciar este artigo. Com esta dúvida cruel na cabeça, tomei a decisão mais comum desses tempos da era da informática. Fui a um site de busca, na internet, e digitei: “O Poder do Espírito Santo”. Uma verdadeira avalanche invadiu meu computador. Não contei o número de páginas sobre o assunto, mas a quantidade e a variedade impressionavam.

“Nós o recebemos!”, festejava um emocionado casal, num depoimento. “Desse dia em diante, eu e minha esposa nunca mais fomos os mesmos e percebemos, em pouco tempo, que o poder do Espírito Santo estava operando, primeiramente, em nossas próprias vidas. Começamos a ser curados das feridas da nossa alma, as enfermidades do corpo foram embora (enxaqueca, dependência de calmantes, miopia etc), nosso relacionamento conjugal foi restaurado...”, eles iam listando.

Furacão de prodígios

Como este, era possível visitar muitos outros sites. Eles refletem uma busca característica dos nossos tempos e que tem marcado cada vez mais a religiosidade popular deste início de século 21. Depois do pentecostalismo clássico (a primeira onda) e da renovação carismática (a segunda onda), um novo furação varre o universo religioso. É a chamada terceira onda, do neopentecostalismo formado especialmente por igrejas que fundamentam sua razão de ser e seu proselitismo em sinais e maravilhas.

“Sabemos, porque é bíblico, que algumas pessoas foram cheias do Espírito Santo e não receberam o falar em novas línguas imediatamente”, reconhece o site de uma tal “Igreja Apostólica e Profética Águas”. Mas, ao insistir na necessidade do batismo do Espírito Santo, o site recomenda expressamente: “Porém, os ministrantes devem procurar levar a pessoa a falar em novas línguas no ato da ministração, pois isso será confirmação para a própria pessoa de que recebeu o Batismo no Espírito Santo”.

Uma recomendação da Igreja Águas a seus ministros me chamou especial atenção: “Pessoas que tenham vindo de igrejas tradicionais e que não aceitam o Batismo no Espírito Santo e o falar em novas línguas devem ser levadas a quebrar todo bloqueio mental pelos ensinamentos errados que receberam”.

Segundo este movimento, o evangelho não é mais anunciado através da palavra somente, mas a ênfase recai especialmente na demonstração através de sinais e de acontecimentos sobrenaturais. Falar em línguas, profecias, curas e muitos efeitos especiais fazem parte do anúncio. Em muitos casos, o sobrenatural chega até a perder a razão ou o contexto dentro do culto ou do próprio anúncio: demonstrações de riso sem parar, de quedas, urros e o aparecimento de dentes de ouro estão entre eles.

Também fazem parte o culto à prosperidade como norma de vida, o uso de fórmulas lingüísticas de expulsão de demônios (“eu o amarro!”, “declaro esta cidade liberta!”) e sessões de descarrego, além de identificar doenças psicológicas como formas de possessão demoníaca.

Consumismo espiritual

Outra característica desta onda é a de uma evidente hierarquisação entre os crentes, fazendo com que todos queiram atingir o grau máximo obtido por aqueles que têm o Batismo no Espírito Santo.

O movimento pentecostal não apenas colocou o inusitado e o espetacular como uma parte importante da fé, mas os transformou num objeto de desejo para cada crente. Consome-se Espírito Santo como se consome um produto descartável qualquer.
Deseja-se tanto o espetáculo quanto se anela desesperadamente pelo último lançamento da indústria automobilística.

O pentecostalismo deixa nos seus adeptos a nítida sensação de que, sem tais experiências fantásticas, falta algo imprescindível na vida do cristão. Atingir este ponto da graça é elevar-se acima do nível do crente comum. No degrau superior estariam os batizados no Espírito Santo e, no inferior, os que ainda não o foram. Esta “hierarquia dos salvos” é um corpo estranho na palavra de Deus. Aqueles que ainda não experimentaram tais momentos mágicos são levados a avaliar sua vida de fé como distanciada do fogo do Espírito.

Ao enfatizarem um interesse primário por tais manifestações espetaculares, os pentecostais e neopentecostais abraçam o misticismo característico das massas e divulgam uma visão distorcida do evangelho. Onde impera o ávido desejo pelo extraordinário, o Evangelho vai ficando para trás. Ao rico da parábola de Lázaro (Lucas 16.19ss), Abraão diz que um ato extraordinário enviado do céu aos seus irmãos ainda vivos poderiam transformá-los em crentes, mas eles têm o que precisam: Moisés e os profetas, ou seja, as escrituras.

Consolador

Tudo isso, na verdade, denota uma grande confusão em torno do verdadeiro papel do “Consolador” prometido por Jesus. “O Espírito Santo é a alma da Igreja. Ai da comunidade cristã, se for possuída por outros espíritos. Sofrerá problemas psicológicos.
Perderá sua identidade. Sem o Espírito de Deus, a Igreja entra em agonia”, escreve o ex-presidente da IECLB e da Federação Luterana Mundial, pastor Dr. Gottfried Brakemeier. Mas, ele adverte que, apesar do Espírito Santo despertar e mobilizar, “não é o extraordinário que o identifica”, porque “fenômenos de êxtase são conhecidos também no paganismo”.

Realmente, uma sessão de descarrego tem intrigante semelhança com uma sessão de umbanda, com a diferença que aí a fumaça dos charutos, o alucinante ritmo dos tambores e a cachaça ajudam a garantir que o “espírito baixe”. Na visão do Dr. Brakemeier, “o Espírito Santo não precisa do diabo para se perfilar”, principalmente deste diabo que, “curiosamente, sempre está nos outros”.

A principal característica do Espírito Santo é criar comunhão, jamais a discórdia. Não é possível afirmar-se “batizado no Espírito Santo” ao mesmo tempo em que se promove briga, desprezo e rachas dentro da comunidade cristã, ao hierarquizar a fé entre os mais e menos crentes. O Espírito Santo também promove a grande diversidade de dons que há na comunidade. Por isso, não se pode rejeitar, em seu nome. “A intransigência religiosa e o exclusivismo grupal destroem o templo de Deus”, escreve Brakemeier.

A vida do cristão

Para que o dia de Pentecostes volte a ocupar o lugar de importância que lhe é devido, também em nossas comunidades luteranas tradicionais, é preciso que saibamos: para se manifestar, o Espírito Santo não precisa do espetáculo, nem de sinais sobrenaturais. “A igreja luterana é pentecostal à sua maneira”, festeja Brakemeier. Ela sabe que o Consolador não é um gás misterioso que incorpora nas pessoas, mas é o poder de Deus presente na Palavra e no Sacramento, instrumentos pelos quais ele santifica toda a cristandade.

Por outro lado, não há truque que faça o Espírito Santo baixar. Ele é soberano e não permite que o manipulem. Sem show ou calafrios na espinha, ele motiva em nós a fé, o amor e a esperança. Mais que isso, ele torna o cristão humilde, agradecido, amante da justiça. O milagre que ele opera é o do desejo incontrolável de participar do reino de Deus e de sua justiça, colocando sinais ao longo de cada novo dia, que mostram que o evangelho liberta e transforma. Isso independe de manchetes em jornais ou de receitas miraculosas de sucesso que contam multidões de convertidos ou igrejas repletas.

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