quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ajuda em meio à crise



Texto: Salmo 145

I

Nós vivemos num mundo de horizontes largos. O nosso planeta, que em outros tempos parecia tão gigantesco, tornou-se uma pequena aldeia global. As notícias chegam a nós de todos os cantos do mundo na mesma hora em que os fatos acontecem.
Quem navega um pouco pela internet, fica por dentro de tudo assim que as notícias acontecem. Quando se chega em casa de noite, tira os sapatos e coloca um chinelo para sentar diante da TV e ver um jornal de notícias, tem-se a impressão de que está vendo um monte de notícias velhas, porque já sabíamos de tudo antes, pelas redes sociais, nas páginas da internet.
Mas uma característica não mudou, mesmo com a rapidez das notícias: elas continuam sendo quase sempre notícias ruins. O que vende é a tragédia, o escândalo, a notícia bombástica. Por isso mesmo, apesar de o nosso mundo ter se transformado numa aldeia, o que ouvimos é quase sempre algo relacionado a catástrofes, guerras, atentados terroristas, miséria, injustiça, violência no trânsito, assaltos, assassinatos e escândalos financeiros e políticos.
Nos últimos dias, particularmente difíceis, temos visto mortes, estupros, problemas graves na saúde, hospitais e médicos insensíveis com a dor dos outros e diversos escândalos.
A verdade é que esse tipo de notícia é que vende jornal e dá Ibope no rádio e na TV. Transforma-se a má notícia em boa notícia, pelo simples fato de que notícia ruim é sinônimo de lucro certo. E isso nos atinge; tem influência sobre o nosso modo de pensar, de sentir e de agir, ainda que tenhamos a clara consciência de que acontece muita coisa boa neste mundo, mas que não vira notícia, não aparece na TV e não interessa a quem “vende” notícias.
O problema é que, de tanto ver desgraça, injustiça e miséria, nos tornamos insensíveis e resignados. Afinal, é só mais uma desgraça entre tantas outras. Na hora a gente até fica indignado ou se emociona com alguma injustiça sofrida, mas em seguida já esquecemos e a nossa indignação não passa de um rompante. Assim, muitos de nós acabam desligando diante dessas notícias, porque simplesmente encheu. Não aguentamos mais! Deu!

II

Será esta a solução? Vamos simplesmente entregar os pontos e, como muitos andam fazendo na internet, simplesmente citar uma famosa frase de Ruy Barbosa, para dizer que não nos importamos mais?: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
Talvez não devêssemos ser tão resignados. Talvez devêssemos buscar forças em Deus, para continuar acreditando e investido na ideia de que “um outro mundo é possível”. Um bom ponto de apoio para esta fé que não desanima, que não se entrega, talvez seja este texto que nos serve hoje de base para essa reflexão: o Salmo 145.
Este salmo surgiu numa época particularmente complicada da existência do antigo Povo de Israel. Também a vida do autor deste salmo não era nada fácil como um cidadão de Israel e os problemas que tinha que superar eram bem complicados. A metade da população do seu país havia sido varrida do mapa pelos assírios e a outra metade vivia desde o início de século 6 antes de Cristo sob o domínio dos babilônios.
A situação do povo que havia sobrado, em todos os casos, era bem difícil. As guerras haviam arrasado o país e detonado as poucas terras agricultáveis, de tal maneira que era quase impossível plantar qualquer coisa para comer. Por isso, havia fome e muita miséria.
Daquele Deus de Israel todo-poderoso e que ajuda o povo em tudo, do qual falavam os antigos, não havia quase nenhum sinal. A impressão que se tinha é que os deuses babilônios haviam também derrotado o Deus de Israel e agora mandavam e desmandavam naquele povo que, no passado, era o povo protegido de Javé. Com tudo isso, os israelitas sentiam-se como nós nos sentimos hoje. Havia muita resignação entre eles. Os problemas pareciam ser bem maiores do que as poucas forças que haviam restado em meio a tanta provação. E é justamente para dentro dessa situação que o salmista canta este seu hino do salmo 145, que queremos ler agora:
Leitura do texto: Salmo 145

III

Meus estimados, minhas estimadas! Vocês esperavam por isso? Como é que pode? Então, vivendo numa situação complicadíssima, quase sem saída, em que o próprio Deus parecia aniquilado, o salmista canta um hino de louvor desses? Não seria muito mais lógico lamentar, reclamar, protestar contra um Deus ausente e insensível?  O que será que leva o salmista a deixar de lado um caminho que nós até iríamos entender para derreter-se num hino de louvor a Deus?
É evidente que o salmista não quis juntar-se à choradeira geral do povo, botando ainda mais lenha na fogueira das lamentações. Com este salmo de louvor e exaltação de Deus, o salmista quer despertar um novo espírito entre a sua gente. Ele quer fortalecer a fé do povo no Deus criador e Senhor deste mundo. Ele quer levantar o ânimo do pessoal, evitando ser arrastado na mesma corrente do desespero geral que se instalou em meio àquela gente.
Seu objetivo é desviar a atenção do seu povo daquela depressão toda, apontando para outra direção, a direção do Deus todo-poderoso, do Deus que é capaz de superar necessidade e sofrimento. Contra todas as evidências, o salmista se fixa na convicção de que o Deus que criou este mundo também tem poder para resolver os problemas que afligem o seu povo.
E ele usa um caminho muito forte para convencer essa gente desanimada de que Deus era a única tábua de salvação: Ele já carregou este povo de modo espetacular no passado. Há muitas experiências que confirmam isso, e o salmista lembra: “O mesmo Deus que tirou os seus pais da escravidão do Egito, cuja mão poderosa derrotou o faraó para libertá-los naquela vez, também vai ajudar agora! O mesmo Deus que conduziu os nossos antepassados através do deserto e não lhes deixou faltar nada durante essa travessia de 40 anos, também vai tirar vocês das mãos dos babilônios. Ele se lembra que a Terra de Canaã é de vocês por herança e ele não vai deixar vocês longe da sua pátria.

IV

Mas o salmista também lembra que Deus não é o culpado da situação difícil que o povo atravessa. Quando o povo de Israel entrou na terra prometida, esqueceu-se dele e tornou-se um povo arrogante e desobediente. Em vão Deus enviou profetas para alertar o povo e trazer Israel de volta. E agora, tudo se repete. Há o juízo de Deus por trás dessa situação em que o povo se encontra. Deus é o Senhor todo-poderoso, que age na história.
Cara comunidade, o salmista também olha para a nossa realidade hoje. Com o seu texto iluminado, ele aponta para sinais bem claros da proximidade de Deus em nossos dias, essa proximidade que cada um de nós pode experimentar na própria pele em sua vida diária e bem pessoal. Em sua relação com Deus, pessoas resignadas encontram novo vigor para enfrentar as mazelas da vida. “O Senhor sustém os que vacilam e apruma todos os prostrados!”
E esse Deus que sempre cuidou do povo de Israel, também fez muito mais pela humanidade. Ele nos presenteou seu filho Jesus Cristo. Por meio dele, Deus nos diz: podem confiar! Eu sou um Deus que amo vocês incondicionalmente. Por isso mesmo, podemos, também hoje, em meio a todos os problemas que enfrentamos, cantar junto com o salmista: “O Senhor é bom para todos e as suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras”. Tudo o que Deus faz é sinal claro da sua bondade, da sua compaixão. Ou não é assim que, apesar de toda a agressão da humanidade à criação, continua havendo dia e noite, sol e chuva, terra fértil e uma natureza que produz com fartura? Em todos os outros aspectos da nossa vida, se pararmos um pouquinho para refletir, vamos descobrir a graciosa mão de Deus. Ainda assim, quando experimentamos dor ou sofrimento, privação ou necessidade, doença ou solidão, angústia ou luto, vamos encontrar Deus bem pertinho de nós.
Quem não conhece aquela história da pessoa que orou e cobrou Jesus: “Senhor, muitas vezes na vida precisei de ti e muitas vezes me senti só. Quando olho para as pegadas que deixei nas areias da minha vida, há muitos trechos em que vejo as tuas pegadas e as minhas. Mas também consigo ver muitos trechos em que há somente uma pegada na areia... Sinto que me deixaste só. E o Senhor lhe respondeu, meu filho, quando há somente uma pegada na areia, é porque eu estava carregando você no meu colo”.
Sim, cara comunidade, Deus nos carrega no colo, nos apóia e está sempre do nosso lado. E nós podemos sentir a sua proximidade através da oração. O que nos falta muitas vezes, é confiança.  Por isso vale, também hoje, ante a resignação que tanta notícia ruim faz crescer em nós: devemos confiar em Deus. Ele está conosco! Ele nos acolhe e nos ouve e tem compaixão de nós. E ele alimenta a nossa esperança, para que não resignemos, mas, confiadamente, apesar de todos os sinais em contrário, coloquemos sinais de que o nosso mundo pode ser diferente.
Comecemos por nós, por nossa família, por nossa comunidade. Aqui nós temos terra fértil para lançar sementes de paz, de justiça, de igualdade, de aceitação, de segurança e de amor! Que a inspiração seja o próprio Senhor, que teria tudo para resignar por nossa causa e dizer: realmente, não vale a pena investir mais nem um dia por esta humanidade ingrata. Mas ele não se entrega, e continua nos abençoando e presenteando. Que os presentes diários que Deus nos dá possam superar o falso sentimento de frustração e desânimo que quer nos invadir. Amém.

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Prédica proferida na Igreja Martin Luther, de Blumenau-Itoupava Seca, em 26.05.2013


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