segunda-feira, 6 de junho de 2011

O velho homem diante da nova mulher

Um bom jeito de começar esta temática, é um trecho da coluna do Horácio Braun (Jornal de Santa Catarina), machista convicto “pero no mucho”. Num de seus engraçados textos, ele escreve: “Existe coisa mais querida no mundo que as mulheres? É claro que não! Mas, nem toda vida foi assim. Tanto isso é verdade que Petrarca, poeta italiano do período do Renascimento, no século 14, escreveu: ‘Inimiga da paz, fonte de inquietação, causa de brigas que destróem toda a tranqüilidade, a mulher é o próprio diabo’. Já Henrique VII, rei da Inglaterra e chefe da Igreja Anglicana no século 16, decretou: ‘As crianças, os idiotas, os lunáticos e as mulheres não podem e não têm capacidade para efetuar negócios’. Nisso tudo, a grande verdade é que Petrarca não conheceu Vera Fischer, e Henrique VII não conheceu a Dona Adelina...”

1. Machismo no DNA
A luta pela igualdade e as respectivas conquistas da metade mulher da humanidade é coisa muito recente na história. Desde o tempo das cavernas, na esmagadora maioria das culturas que participaram da formação cultural e social do homem, a mulher sempre sujeitou-se a um papel de submissão ao homem, com raríssimas exceções. O mundo e a sociedade sempre foram estruturados de forma patriarcal, há milênios. O mundo, portanto, sempre foi machista, do Oriente ao Ocidente.

As religiões orientais são todas machistas, do Budismo ao Islamismo. Há até a aberração do Talibã, que obriga a mulher a abandonar sua profissão, a enfiar-se em casa e a usar a Burka para cobrir todo o corpo. Como única exceção, havia espaço para a mulher médica, porque as demais mulheres se negavam a ser examinadas por médicos homens. No Afeganistão, mulheres foram apedrejadas até à morte porque parte do braço apareceu ao dirigir ou carregar algo sobre a cabeça. É a radicalização do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Também Judaísmo e seu livro sagrado, a Torá, também são machistas, colocando a mulher em plano inferior ao homem. E o que é a Torá senão o Antigo Testamento, a base confessional sobre a qual foi erguido o Cristianismo, os evangelhos, as cartas paulinas, ou seja, o Novo Testamento e todo o mundo ocidental cristão, no qual vivemos. Portanto, numa frase: O Ocidente e seu livro sagrado, a Bíblia, também são machistas.

No Antigo Testamento, em Levíticos (12.2ss), por exemplo, se diz que a mulher se torna impura ao dar a luz, por causa da perda do sangue durante o parto. Quando nasce um filho homem o período de impureza da mulher dura 40 dias, mas quando é uma filha mulher este período aumenta para 80 dias.

Já no Novo Testamento, o Apóstolo Paulo, por exemplo, aconselha os coríntios a ficarem longe das mulheres, dizendo que “É bom que o homem não se case”. Segundo ele, no entanto, o casamento é uma boa solução para evitar a promiscuidade. Mas, logo em seguida aconselha os solteiros a “não procurar esposa”. Chega até a dizer aos noivos: “Quem casa com a sua noiva faz bem, mas quem não casa faz melhor ainda”. Em sua carta aos Efésios, ele aconselha as mulheres a serem “submissas a seus maridos”, porque “o marido é o cabeça da mulher, assim como Cristo é o cabeça da Igreja”, e arremata: “Portanto, as mulheres devem ser completamente obedientes aos seus maridos, assim como a própria Igreja é obediente a Cristo”. Na visão de Paulo, em vista de tudo isso a mulher deve calar-se dentro da Igreja.

Séculos de submissão e mudança radical
Pois é! Poderíamos continuar assim ainda por algum tempo, procurando por textos e situações que estabelecem claramente a posição do homem e da mulher na sociedade durante séculos, em quase todas as culturas humanas. Estes “princípios” se encarnaram de tal maneira nas sociedades, que se tornaram indiscutíveis, para ambos os sexos, ao longo de milênios. Isso era tão óbvio, que era ensinado como dogma, de geração em geração. O mundo patriarcal diminui a mulher e a coloca num plano inferior em relação ao homem. Curiosamente, entretanto, são as mães que mais se empenham para passar esta ordem das coisas adiante. O machismo no qual todos fomos educados foi e continua sendo caprichosamente ensinado pelas mulheres.

Mas, algo aconteceu no final do século 19, junto com a era da industrialização, e que virou o mundo conhecido até então do avesso. Tem uma música da saudosa cantora Maysa, que diz: “Meu mundo caiu / e me fez ficar assim! / Você conseguiu / e agora diz que tem pena de mim!”. O mundo “moderno” começa a ficar velho e tudo desaba. Todos os grandes fundamentos da modernidade começam a ser questionados. Vejamos:

• O filósofo Karl Marx faz profunda crítica ao modelo capitalista de sociedade;
• Albert Einstein põe em questão a noção de matéria e desenvolve a teoria da relatividade;
• Sigmund Freud desbanca a soberania do Eu e da consciência e detona: tudo é sexo;
• Friedrich Nietsche declara Deus morto e nem para a religião sobrou espaço;
• A ciência não construiu a eterna felicidade e mostrou seu poder de destruição (Hiroshima/Nagasaki);
• A natureza mostrou sinais evidentes de fadiga e deterioração com dramáticas conseqüências;
• Os grandes ideais revolucionários entraram num beco sem saída depois da Guerra Fria (Aqui no Brasil o PT ficou manso e bonitinho e o “sapo barbudo” aparou a barba e colocou terno e gravata);
• O futuro não é mais uma luz, mas uma caverna escura e deserta, ainda mais imprevisível depois de 11 de setembro de 2001;
• A mulher assumiu avidamente o lugar do homem nos negócios, no pastorado, no magistério, nas profissões mais importantes e com alto grau de sucesso, ameaçando ocupar cada vez mais também o espaço no comando executivo, legislativo e judiciário nos países ocidentais;
• Não bastasse a crescente e competente profissionalização da mulher, no Brasil e em muitos outros lugares do mundo ela agora também disputa com o homem os melhores postos na carreira militar, competindo até no espaço que era o mais exclusivo do macho, ou seja, fazer guerra;
• Uma degeneração generalizada dos costumes ameaça seriamente a família, o casamento e o relacionamento normalmente aceito entre homem e mulher, com proposta de união entre homossexuais e paradas gays em todos os lugares.

Neste mundo afetado por tantas transformações e revisões, também o modelo o modelo da sociedade patriarcal começa a ser questionado. Mudanças profundas no terreno trabalhista, o avanço das lutas feministas e a troca de papéis (homens cuidando da casa e mulheres tocando empresas) completam o estranhamento masculino. “Meu mundo caiu...” A humanidade decreta: é o fim do macho, no sentido do dominador, criado à imagem e semelhança de Deus e que cedeu somente uma costela para que dela fosse feita a mulher e que, portanto, veio ao Jardim do Éden com ordens expressas de dominar todas as coisas, inclusive a mulher.

A mulher deu o grito de liberdade há muito tempo e, com muita competência, vai ocupando seu espaço na sociedade patriarcal. Esta ação libertadora da mulher faz com que qualquer campo público ou privado, individual ou coletivo seja objeto de novas reflexões e novas ações. A mulher obriga a igreja cristã a repensar seus dogmas para o exercício do sacerdócio, ao exigir a ordenação feminina. A mulher disputa, em grau de igualdade, os melhores postos de trabalho do mercado e, não raro, com mais competência. A mulher e a liberação feminina obrigaram o mundo a repensar todas as relações, dentro e fora do relacionamento entre os sexos. Depois da liberação feminina, tudo é busca. Nem mesmo o homem escapa desta busca.

Senhores, nós poderíamos ir longe aqui agora, levantando exemplos de como a mulher foi, de forma segura e gradual, ocupando o lugar que tradicionalmente era dos homens na sociedade. Mas, penso que é hora de dar um passo adiante. É hora de decretar o fim da guerra dos sexos e de buscar novos paradigmas, que nos ajudem a conviver e a planejar um mundo bom para ambos e melhor para todos.

Sinto que depois da revolução feminista, que derrubou absolutamente tudo à nossa volta, chegou o tempo de abandonar a indiferença e a indignação diante da mulher liberta e lançar um projeto de busca de alternativas. Esta busca levanta algumas perguntas muito importantes e que precisam ser respondidas. A mais importante delas é: Qual é o novo papel do homem dentro desta sociedade remodelada, que nunca mais será a mesma, graças a Deus?

Sinto no próprio interesse de vocês em discutir este assunto um claro sinal de que os homens estão motivados a livrar-se de suas couraças e a buscar saídas. Sinto que não dá mais para sobreviver espremido entre a nova mulher e o velho homem que teima em permanecer vivo em nossas cabeças de machos rejeitados, desprezados e perdidos.

Mas, é preciso que fique muito claro para a metade homem da humanidade: este processo de reflexão e de busca somente será possível junto com a metade mulher da humanidade, porque nesta busca há um vínculo entre os sexos. Uma solução possível e satisfatória para ambos somente poderá ser uma solução comum a homens e mulheres. Mas, para que isso aconteça, homens e mulheres precisam abrir mão de velhos modelos.

Abrindo mão de velhos modelos
O processo de liberação das mulheres foi uma caminhada ascendente até os protestos da década de 60, em que queimaram sutiãs em praça pública e adotaram a minissaia como seu traje favorito, fazendo uma revolução sem precedentes na história da humanidade. Na definição de Celso Furtado, esta foi a “mais importante revolução do século 20”. Mas, hoje as mulheres estão percebendo que, em muitos casos, não conseguiram desprender-se da velha lógica machista da dominação escravo/senhor do passado. Tanto que Regina Valladares escreveu no Jornal do Brasil, em 1991: “Queimamos nossos sutiãs e o que aconteceu? Nossos peitos ficaram caídos!”. A chamada revolução feminina fez muito mais promessas do que conseguiu cumprir.

Enquanto a maioria das mulheres preferiu permanecer convivendo com o velho machão, mas protetor homem à moda antiga, uma boa parte delas fez surgir a mulher trabalhadora, liberada, cônscia de seus direitos, que não aceita mais passivamente os terríveis e desrespeitosos comportamentos do velho “boçalossauro”, como definiu Bernardo Jablowsky. As mulheres saíram debaixo do comando rígido deste ser pré-histórico e passaram a disputar lugar de poder e postos de trabalho com ele.

Mas, não perceberam que, ao lado da profissão fora de casa, continuaram com as tarefas do lar, da educação dos filhos, do objeto de cama e mesa ao qual estavam sujeitas antes. Em suma, num processo ilusório, as mulheres em muitos casos continuaram tão presas quanto antes e ainda mais escravas, pois agora tinham que somar ao papel da boa patroa e dona de casa o de ser humano tão competente quanto o homem e, quiçá, superá-lo em muitos aspectos. Então, muitas mulheres passaram a assumir uma imagem mais rígida, próxima da figura de poder que visualizavam no homem. Mas esta nova mulher não queria perder a feminilidade e não consegue livrar-se da ditadura da moda e dos institutos de beleza, por exemplo.

Desta maneira, a tão decantada liberação feminina aconteceu apenas em parte. A maioria das mulheres ficou no meio do caminho, sonhando com um mundo ideal que está muito distante do mundo real. Neste mundo real, elas têm uma dupla jornada de trabalho, salários desiguais, convivem com homens que têm a maior dificuldade em repartir as tarefas domésticas com elas, um forte sentimento de culpa por estar “abandonando” a família por falta absoluta de tempo e uma liberdade sexual na prática inacessível para muitas. Apesar deste aparente beco sem saída, no entanto, as mulheres avançaram muito, porque neste processo desenvolveram uma rica reflexão sobre sua condição na sociedade e conseguiram dar um grito de libertação espetacular.

Nós, homens, paramos no tempo e estamos acordando agora, perguntando, meio zonzos: “O que foi que aconteceu?”. Ainda precisamos, portanto, fazer esta auto-reflexão e, neste processo, ainda estamos quase na estaca zero. Ainda choramos o luto da perda do lugar do dominador, do qual fomos derrubados sem direito a defesa. E a maioria dos homens mergulhou de cabeça nestes tempos bem confusos e indefinidos, sem saber onde colocar o desejo, sem saber qual sua essência ou sem ter encontrado o mínimo fator comum de nossa masculinidade. O homem de hoje pergunta, perdido, o que significa exatamente ser homem. Mas, ao mesmo tempo, muitos já celebram o novo homem, mais liberto e próximo da mulher, pronto a dividir com ela o mundo do século 21.

Iniciando uma nova reflexão
O desmoronamento do modelo machista, ao qual estávamos tão acostumados, é muito mais uma possibilidade do que uma perda. Este talvez seja o primeiro gancho em que pendurar uma reflexão sobre nossa nova condição. Com a queda do modelo machista, senhores, não perdemos absolutamente nada. Ao contrário, ganhamos!

Precisamos do encontro dos dois gêneros (homem e mulher) fora dos costumeiros campos de competição e confronto, para que comecemos a compartilhar experiências, desarmar os ânimos, refletir e deixar que nos aproxime a amizade, o companheirismo e o desejo de construir em conjunto uma sociedade mais justa e igual para ambos. Penso que especialmente as comunidades cristãs podem ajudar os gêneros a refletirem em conjunto esta nova condição no relacionamento entre os sexos.

O primeiro passo na busca de algumas respostas importantes, é aprender que sexo e gênero são duas coisas diferentes. Durante muitos anos foram tratados como sinônimos. Na verdade, quando o assunto é sexo, nossos pensamentos são guiados por uma enxurrada de clichês, cujo epicentro é o argumento biológico. Ou seja, as mulheres acham que os homens pensam, agem e são de determinada maneira somente porque têm um pênis, ou seja, um instrumento que penetra a mulher e a devassa, invadindo o seu interior, implacavelmente. Esta é a tal da visão falocêntrica do mundo. Neste clichê, tudo o que os homens pensam, sentem e fazem tem a ver com este seu instrumento fálico penetrante, que do ponto de vista psicológico tem a aparência de um cetro, que dá ao homem a primazia do domínio. O pênis é o instrumento de poder masculino, de dominação sobre o sexo frágil. A mulher, neste mundo de clichês, ocupa o lugar de quem é submissa, a quem cabe o papel de se deixar penetrar.

O mesmo vale dos homens, que por força dos clichês impostos pela sociedade machista, encaram a mulher como um pedaço de carne pendurado no açougue dos desejos, imaginando que todos os seus pensamentos, atos e sentimentos giram em torno das divinas curvas do seu corpo e que todas as mulheres são Vera Fischer.

A pergunta a ser feita, é: Quem é o homem como gênero e não como a parte de armar do brinquedo do sexo? Quem é a mulher como gênero e não como a parte de encaixar do brinquedo do sexo? A anatomia é a parte menos importante para definir as características que diferenciam homens e mulheres. Por que o homem é e age de determinada maneira e a mulher de outra? Como estes dois seres tão diferentes em suas esperanças, desejos, reações e expressões, e ao mesmo tempo tão incomensuravelmente próximos e parecidos, podem se unir para chegar à realização, para construir um mundo mais humano, completo e parecido com o projeto original do Criador?

Também precisamos nos libertar da nossa prisão de provar a outros homens e mulheres que somos homens. Quanto maior é a insegurança interior, maior se torna a capa exterior com que nos cobrimos para provar nossa virilidade. Pode-se fazer musculação, ter opiniões políticas categóricas e defendê-las apaixonadamente, dirigir agressivamente, exibir força muscular ou habilidades esportivas ou até se negar a fazer tarefas que consideramos exclusivas das mulheres (lavar louça ou limpar a calçada)... há muitas maneiras de provar aos outros que se é viril. Mas, é uma prisão, uma casca em que toda a nossa sensibilidade de homem está enclausurada. Todos os problemas relacionados à carreira profissional, ao poder e ao dever vêm dessa insegurança, dessa fragilidade da identidade masculina.

Nós temos que provar o tempo todo que não somos viados, gente! E conhecemos muito bem a doutrinação neste sentido desde meninos. O que é esperado de um menino desde pequeno é que demonstre virilidade, agressividade e determinação. No que se refere à preferência sexual, um menino vive sob vigilância contínua, para que se saiba quão determinado é com relação à sua escolha. Se ele demonstra ternura, carinho ou dor, já começam a duvidar sobre sua escolha sexual. Para um homem, ter os afetos fora das trilhas definidas socialmente para eles é sinal de que a heterossexualidade não vingou. O homem sensível, o homem educado, o menino que não reage a brigas, enfim, qualquer um destes tipos recebe um olhar inquisidor que põe em dúvida sua preferência sexual.

Criados para a virilidade, temos dificuldade em falar o que sentimos. Não temos palavras para traduzir nosso mal-estar, nosso sofrimento, temos muita vergonha de falar sobre o que sentimos. Precisamos aprender a abrir a porta da nossa própria sensibilidade. O novo homem precisa retirar a máscara do guerreiro. O novo homem precisa perceber que não vai ser a postura, o tipo de roupa ou determinado comportamento que vão garantir sua virilidade.

Na verdade, toda esta nova situação coloca o homem num beco sem saída. Entre dor e sofrimento, o homem/macho descobre que quem ele vê ao olhar-se no espelho não é ele, mas é tudo aquilo que construíram nele: ele não pode ser um ser humano sensível e receptivo, porque foi transformado no bruto e insensível que tem que ser inquebrável, poderoso, viril. Ele é espremido contra a parede pelo milenar mundo dos machos, que o quer como sempre foi.

A psicologia masculina se caracteriza por suprimir (esconder) manifestações afetivas, como chorar em público, consideradas por alguns homens como sinal de fragilidade, por evitar situações interpessoais que possam torná-lo vulnerável, pondo em risco seu poder, como revelar sua vida íntima; e ainda pela incapacidade que o homem aparenta de mostrar empatia, especialmente em suas relações com as mulheres. Este tipo de comportamento milenar no homem traz consigo muito sofrimento e provoca a auto-opressão do próprio homem. O poder masculino, que parece trazer privilégios para o homem, também significa angústia e muita solidão existencial. Mesmo sabendo da angústia, muitos homens apresentam uma forte resistência em mudar seu comportamento.

Do outro lado, é espremido contra a parede por uma avalanche de novas exigências do mundo feminino, que não quer mais o macho dominador, mas o companheiro, carinhoso, aliado, solidário, que age de igual para igual. Mas que, ao mesmo tempo, não deve parecer fraco, feminino, delicado demais. Olha, é uma ginástica! É preciso desconstruir toda uma imagem antiquada e falida do homem guerreiro e construir uma nova, a do homem que deixa aflorar simplesmente o ser humano que é, sem deixar claro o tempo todo que é um ser humano macho. O homem deve lutar pelo direito de ser apenas humano.

A verdade é que todos estes milênios de condicionamento social nos fizeram associar masculinidade a independência, autonomia, autoconfiança, liderança nas relações de gênero e agressividade. A isto estão ligadas características como forte, autocrítico, aventureiro, arrogante, decidido, dominador, rude, desafiador e orientado para a realização. O homem de verdade é macho, silencioso, firme, provedor e, na hora H, resolve tudo sozinho e na base da pancada, pelo menos na visão dos filmes de Hollywood.

Por outro lado, a sociedade espera que as mulheres sejam sentimentais, fracas, gentis, compreensivas, emotivas, dóceis, dependentes, submissas, sensíveis e orientadas para os filhos. Na maioria dos comerciais a mulher aparece como objeto de desejo e consumo, que passa a calcinha e o sutiã com cerveja, para tornar-se mais apetitosa e, na hora de receber o seu homem na porta da casa, molha os lábios e o peito com cerveja, para tornar-se ainda mais irresistível. É assim desde que o mundo é mundo, mas esse tipo de relação entre os sexos não serve mais e vem provocando muito sofrimento.

Uma porta de saída
Como mudar? Olha, vou dizer já, não é fácil. Mark Twain disse: “A gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau”. É preciso buscar maneiras de analisar estes comportamentos e buscar viabilizar mudança pessoal e transformação da consciência nos homens. O principal é que entremos num diálogo construtivo com as mulheres e com outros homens sobre a construção da sexualidade masculina. A mudança pode surgir a partir da conversa franca, aberta, entre homens e mulheres, com estratégias de aconselhamento grupal e psicoterapia de casais.

Homens e mulheres precisam parar de acusar-se mutuamente por todos os males da humanidade. Em vez de identificar um vínculo de simpatia e compreensão entre ambos, diante de um mundo que os tornou tão parecidos, as análises de gênero ainda não se desenvolvem na busca do encontro. Ainda se buscam generalizações e sempre partindo de fragmentos, partes que não percebem o todo. As feministas continuam achando que todos os homens são boçalossauros e os machistas continuam achando que as feministas querem tomar o lugar dos homens na sociedade. Ambos não perceberam que a mulher buscou e encontrou, ainda que de forma menos completa do que imaginavam, a nova mulher, e que o homem também está buscando abrir portas para novas possibilidades de pensar um outro tipo de homem que não seja o opressor e o estereótipo do qual falam as feministas.

O homem de hoje, neste conflito de personalidade, já tem dificuldade em definir a própria identidade masculina de forma clara. Se por um lado, aquele homem macho e avesso a sentimentos, criado por nossas mães e confirmado pelas tias dos colégios, já não serve mais e, em conseqüência, está perdido na poeira e não sabe quem é, por outro lado, não podemos parar de buscar este novo homem. Se os avanços sociais na sociedade e a nova mulher mudaram o mundo e desfiguraram a identidade do homem, ainda continua sendo verdade que, no fundo, dentro de cada um de nós, estudados ou não, continua latente o velho boçalossauro, que volta e meia se manifesta com toda a sua truculência e urgência da virilidade.

Segundo a estudiosa de gênero alemã, Rosvitha Scholz, a fim de enfrentar esta crise de modo produtivo, há que se constituir um feminismo e também um movimento de homens que tenham consciência do mecanismo de cisão entre ambos. Tanto homens quanto mulheres têm de compreender que “nossa” sociedade é determinada pelo patriarcado e pelo valor. Isso não exclui (ao contrário, torna ainda mais imprescindível) que as mulheres continuem a organizar-se autonomamente, e que os homens tentem ganhar consciência de si próprios nos movimentos masculinos. O patriarcado não é somente um mecanismo externo pelo qual nossa sociedade se organiza. Nós mesmos, homens e mulheres, somos o patriarcado, e o confronto direto entre os sexos é um dos aspectos centrais de sua crise.

Mas, além disso, é urgente a luta de ambos os sexos contra as formas de existência sociais nas quais tudo é classificado a partir do valor que tem. A superação do patriarcado é ao mesmo tempo a superação da forma fetichista da mercadoria, pois esta é o fundamento da cisão patriarcal. O objetivo revolucionário seria, portanto, um grau mais elevado de civilização, no qual homens e mulheres sejam capazes de fazer pelas próprias mãos sua história, para além do fetichismo e de suas atribuições sexuais.

O debate entre homens e mulheres é um espaço de luta e de reflexão que deve ser resgatado e fomentado, se quisermos um mundo mais digno, justo e humano para todos e todas. Neste processo, é preciso examinar os postulados que até agora nos pareciam invioláveis e sagrados. De nosso êxito nesta tarefa depende nossa sobrevivência como humanidade e, Deus queira, o fim da guerra dos sexos.

(Palestra sobre questões de gênero, proferida durante encontro sinodal da Legião Evangélica Luterana, do Sínodo Vale do Itajaí, em Blumenau)

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